Kit Aborto
Dom
Eduardo Benes de Sales Rodrigues (*)
03 JUL 2012
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
É lamentável que os cuidadores da saúde pública, ao
invés de se empenharem em promover a vida, se ocupem em formular políticas que
acabam por estimular a prática do aborto
O leitor, com certeza, se lembra do Kit Gay, proposta de um grupo do Ministério
da Educação para combater a homofobia. A cultura gay criou a palavra
homo-afetividade e seus derivados, para substituir a palavra homossexualidade e
seus derivados, cujo peso semântico estaria impregnado de milênios de
preconceito contra os homossexuais. Só que o conteúdo do Kit Gay, ao invés de
educar para aceitação do diferente e de propor caminhos de uma solução ética
para as questões levantadas pela problemática, transforma a exceção em ideal e
não faz suficiente distinção entre homossexualidade e homossexualismo: aquela
uma condição, na maioria dos casos, independente da vontade da pessoa e este,
uma prática eticamente reprovável, que jamais poderá ser inscrita no horizonte
daquilo que a história humana sempre entendeu por casamento. Infelizmente
vivemos um momento "cultural" onde as palavras não traduzem mais a
realidade objetiva das coisas, mas os desejos arbitrários de indivíduos ou de
grupos de indivíduos. É dentro desse quadro "cultural" que, por
pressão de grupos organizados, certas práticas acabam por receber respaldo
legal.
É o que o Ministério da Saúde de nosso país pretende fazer através de uma coisa
que se poderia chamar de Kit Aborto a ser distribuído nos hospitais públicos
para as mulheres que querem abortar. O Estadão noticiou: "O Ministério da
Saúde e um grupo de especialistas se reúnem para discutir um programa para
aconselhamento de mulheres que decidiram abortar. A comissão vai sugerir a
formulação de uma cartilha, com orientações para que o procedimento seja feito
com segurança. A intenção é fecharmos o material de orientação em, no máximo,
um mês", afirmou o coordenador do grupo de estudos sobre o aborto da
sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Thomaz Gollop. O
formato final do programa será definido pelo Ministério. A cartilha conteria,
por exemplo, informações para a mulher escolher o lugar do procedimento.
O uso de comprimidos à base de misoprostol, droga altamente abortiva, seria
facilitado pela rede pública. "O projeto do Ministério da Saúde consiste
na seguinte estratégia: a mulher grávida vai a uma unidade de saúde pública
mais perto de sua casa e pega o Kit Aborto e vai para casa fazer o aborto
ilegal de forma segura. Tudo isso financiado com o dinheiro público". A
justificativa são os milhões de abortos com milhares de mortes de
mulheres(?!!!) que acontecem no Brasil em clínicas clandestinas. Sobre isso
ponderou alguém: "Como foi feita essa pesquisa? Qual o método foi
utilizado? Qual a amostragem? Chega de jogar na cara da população números sem
sentido e sem explicação... Parece que essa história de "um milhão de
abortos" não passa de mágica, de maquiagem, de ficção matemática."
A proposta do Ministério da Saúde pretende que o Kit Aborto "seja um
componente da política de planejamento reprodutivo". O que é uma evidente
aberração lógica. "De um lado, a política de planejamento reprodutivo
pressupõe a reprodução, isto é, uma mulher vai ficar grávida, ter um filho,
etc. Com isso, é descartada a morte do feto por meio da realização do aborto.
Do outro lado, é preciso ver que esse argumento é uma frase bonita, uma espécie
de poesia, para disfarçar a verdadeira intenção, que é a legalização indireta
do aborto e, ainda por cima, com financiamento público." É lamentável que
os cuidadores da saúde pública, ao invés de se empenharem em promover a vida,
se ocupem em formular políticas que acabam por estimular a prática do aborto.
Compete aos cristãos e a todas as pessoas que conservam o senso sagrado da
inviolabilidade da vida humana (a vida do feto é vida humana), a missão de
lutarem por todos os meios para que o aborto seja banido da face da terra. Essa
missão nós a realizamos de três maneiras: a) pela mobilização contra projetos
de lei e contra medidas governamentais pró-aborto; b) pela formação das
consciências das crianças e dos jovens no sentido da defesa da vida sempre e em
todas as etapas de seu desenvolvimento; c) pela presença e apoio a mulheres
grávidas com dificuldades de levar adiante a gravidez. A Igreja procura também
ir ao encontro das mulheres, que se submeteram em momentos de desespero ao
aborto, com o chamado Projeto Raquel. "O Projeto Raquel é o ministério de
cura pós-aborto da Igreja Católica nos Estados Unidos (e agora em diversos países)
e está em atividade sob alguma forma na maioria das dioceses com o nome Projeto
Raquel ou outro similar."
Em Sorocaba ainda não o temos implantado. Mas eis o depoimento de alguém que
recebeu o apoio desse serviço da Igreja: "O
Projeto Raquel me deu a capacidade de me afastar de uma vida de desespero e
culpa e começar uma nova vida de esperança e perdão. Uma experiência única...
Eu nunca mais serei a mesma."
(*) Dom
Eduardo Benes de Sales Rodrigues é arcebispo da Arquidiocese de Sorocaba ([email protected]).