«Missa
é como um poema, não suporta enfeite nenhum», diz Adélia Prado
Escritora
brasileira defende resgate da beleza na celebração da liturgia
Por
Alexandre Ribeiro
APARECIDA, domingo,
2 de dezembro de 2007.- Ao defender o esmero com as celebrações litúrgicas e a
beleza como uma «necessidade vital» que deve permeá-las, a escritora brasileira
Adélia Prado afirma que «a missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum».
«A missa é a coisa
mais absurdamente poética que existe. É o absolutamente novo sempre. É Cristo
se encarnando, tendo a sua Paixão, morrendo e ressuscitando. Nós não temos de
botar mais nada em cima disso, é só isso», enfatiza.
Poeta e prosadora,
uma das mais renomadas escritoras brasileiras da atualidade, Adélia Prado, 71
anos, falou sobre o tema da linguagem poética e linguagem religiosa essa
quinta-feira, em Aparecida (São Paulo), no contexto do evento «Vozes da
Igreja», um festival musical e cultural.
Ao propor a
discussão do resgate da beleza nas celebrações litúrgicas, Adélia Prado
reconheceu que essa é uma preocupação que a tem ocupado «há muitos anos». «Como
cristã de confissão católica, eu acredito que tenho o dever de não ignorar a
questão», disse.
«Olha, gente –
comentou com um tom de humor e lamento –, têm algumas celebrações que a gente
sai da igreja com vontade de procurar um lugar para rezar.»
Como um primeiro
ponto a ser debatido, Adélia colocou a questão do canto usado na liturgia.
Especialmente o canto «que tem um novo significado quanto à participação
popular», ele «muitas vezes não ajuda a rezar».
«O canto não é
ungido, ele é feito, fazido, fabricado. É indispensável redescobrir o canto
oração», disse, citando o padre católico Max Thurian, que, observador no
Concílio Vaticano II ainda como calvinista, posteriormente converteu-se ao
catolicismo e ordenou-se sacerdote.
Adélia Prado
reforçou as observações, enfatizando que «o canto barulhento, com instrumentos
ruidosos, os microfones altíssimos, não facilita a oração, mas impede o espaço
de silêncio, de serenidade contemplativa».
Segundo a poeta, «a
palavra foi inventada para ser calada. É só depois que se cala que a gente
ouve. A beleza de uma celebração e de qualquer coisa, a beleza da arte, é puro
silêncio e pura audição».
«Nós não
encontramos mais em nossas igrejas o espaço do silêncio. Eu estou falando da
minha experiência, queira Deus que não seja essa a experiência aqui», comentou.
«Parece que há um
horror ao vazio. Não se pode parar um minuto». «Não há silêncio. Não havendo
silêncio, não há audição. Eu não ouço a palavra, porque eu não ouço o mistério,
e eu estou celebrando o mistério», disse.
De acordo com a
escritora mineira (natural de Divinópolis), «muitos procedimentos nossos são
uma tentativa de domesticar aquilo que é inefável, que não pode ser
domesticado, que é o absolutamente outro».
«Porque a coisa é
tão indizível, a magnitude é tal, que eu não tenho palavras. E não ter palavras
significa o quê? Que existe algo inefável e que eu devo tratar com toda
reverência.»
Adélia Prado fez
então críticas a interpretações equivocadas que se fizeram do Concílio Vaticano
II na questão da reforma litúrgica.
«Não é o fato de
ter passado do latim para a língua vernácula, no nosso caso o português, não é
isso. Mas é que nessa passagem houve um barateamento. Nós barateamos a
linguagem e o culto ficou empobrecido daquilo que é a sua própria natureza, que
é a beleza.»
«A liturgia celebra
o quê?» – questionou –. «O mistério. E que mistério é esse? É o mistério de uma
criatura que reverencia e se prostra diante do Criador. É o humano diante do
divino. Não há como colocar esse procedimento num nível de coisas banais ou
comuns.»
Segundo Adélia, o
erro está na suposição de que, para aproximar o povo de Deus, deve-se falar a
linguagem do povo.
«Mas o que é a
linguagem do povo? É aí que mora o equívoco», – disse –. «Não há ninguém que se
acerca com maior reverência do mistério de Deus do que o próprio povo».
«O próprio povo é
aquele que mais tem reverência pelo sagrado e pelo mistério», enfatizou.
«Como é que eu
posso oferecer a esse povo uma música sem unção, orações fabricadas, que a
gente vê tão multiplicadas e colocadas nos bancos das igrejas, e que nada têm a
ver com essa magnitude que é o homem, humano, pecador, aproximar-se do
mistério.»
Segundo a escritora
brasileira, barateou-se o espaço do sagrado e da liturgia «com letras feias,
com músicas feias, comportamentos vulgares na igreja».
«E está tão
banalizado isso tudo nas nossas igrejas que até o modo de falar de Deus a gente
mudou. Fala-se o “Chefão”, “Aquele lá de cima”, o “Paizão”, o “Companheirão”.»
«Deus não é um
“Companheirão”, ele não é um “Paizão”, ele não é um “Chefão”. Eu estou falando
de outra coisa. Então há a necessidade de uma linguagem diferente, para que o
povo de Deus possa realmente experimentar ou buscar aquilo que a Palavra está
anunciando», afirmou.
Para Adélia Prado,
«linguagem religiosa é linguagem da criatura reconhecendo que é criatura, que
Deus não é manipulável, e que eu dependo dele para mover a minha mão».
Com esse espírito,
enfatizou, «nossa Igreja pode criar naturalmente ritos e comportamentos, cantos
absolutamente maravilhosos, porque verdadeiros».
Ao destacar que a
missa é como um poema e que não suporta enfeites, Adélia Prado afirmou que a
celebração da Eucaristia «é perfeita» na sua simplicidade.
«Nós colocamos
enfeites, cartazes para todo lado, procissão disso, procissão daquilo,
procissão do ofertório, procissão da Bíblia, palmas para Jesus. São coisas que
vão quebrando o ritmo. E a missa tem um ritmo, é a liturgia da Palavra, as
ofertas, a consagração… então ela é inteirinha.»
«A arte a gente não
entende. Fé a gente não entende. É algo dirigido à terceira margem da alma, ao
sentimento, à sensibilidade. Não precisa inventar nada, nada, nada», disse
Adélia.
E encerrou
declamando um poema seu, cujo um fragmento diz:
Ninguém vê o cordeiro degolado na mesa,
o
sangue
sobre as toalhas,
seu
lancinante grito,
ninguém”.
Fonte: ZENIT.org