PERGUNTE
E RESPONDEREMOS 537/Março 2007
História
Quem foi Jesus?
HÁ DOIS JESUS: UM REAL HISTÓRICO E OUTRO, PROJETADO PELA FÉ?
(SUPER INTERESSANTE)
Em síntese: A revista SUPER INTERESSANTE
publicou uma reportagem que apregoa haver dois Jesus: um histórico real e outro
existente somente na fé das pessoas religiosas. Para defender esta tese, tenta
reconstituir as condições de vida da Palestina de outrora e aí enquadra Jesus,
prescindindo de qualquer testemunho de autores posteriores a Cristo sobre o
Jesus histórico. Os pósteros terão feito um judeu pouco significativo o Messias (a
reportagem não diz como isto aconteceu). - Na verdade, o artigo de SUPER
INTERESSANTE nada diz de novo se confrontado com publicações críticas
anteriores já mais de uma vez refutadas, como se verá a seguir.
* * *
Em sua edição de 13 de dezembro 2006, (pp. 82-89), a
revista SUPER INTERESSANTE publica uma reportagem de Rodrigo Cavalcante
intitulada "Quem foi Jesus?". Afirma haver dois Jesus: um real
histórico bem diferente daquele que os Evangelhos propõem como resultado de uma
elaboração teológica. Vamos, a seguir, analisar e comentar o artigo, começando
por expor objetivamente
1. O conteúdo do artigo
Logo
no início do seu artigo o autor apresenta a tese:
"Jesus não nasceu em
Belém. Teve vários irmãos e sua morte passou quase despercebida no Império
Romano. A história e a arqueologia desencavam o Jesus histórico - um homem bem
diferente daquele descrito nos evangelhos" (p. 82).
Rodrigo Cavalcante começa por
dizer que Jesus não nasceu em Belém, sem o fundamentar satisfatoriamente.
"Era filho de José, irmão
de Tiago". - Afirmação baseada numa inscrição encontrada numa pequena
caixa de pedra achada em Jerusalém([1]),
redigida em aramaico e em caligrafia de dois mil anos atrás.
Não nasceu no início da era
cristã, mas no ano 4 a.C. Ignora-se a data precisa do seu nascimento. A Igreja
em 525 a fixou em 25 de dezembro, porque na mesma época se celebravam as festas
pagãs
do deus Mitra em Roma.
A matança dos inocentes e a
fuga da sagrada Família para o Egito seriam produto de "uma licença
poética" do texto ou episódios não históricos, forjados para significar
que Jesus é o novo Moisés.
Jesus deve ter nascido em
Nazaré, em casa, cujo solo era de barro, de família de camponeses extremamente
pobres, cercado de animais.
Não exerceu a profissão de
carpinteiro, pois São José não era carpinteiro, mas camponês. Jesus, o seguiu
na lavoura; talvez tenha-se dedicado um pouco à arquitetura em Séforis (a seis
quilômetros de Nazaré).
Os romanos acabrunhavam o povo judeu simples com
elevados impostos, de modo que Jesus houve por bem iniciar uma pregação de
índole social, movido pelas injustiças que oprimiam sua gente; esta aguardava a
irrupção do Reino dos céus para breve.
Afim de se preparar para a
chegada do Reino, João Batista chamava os judeus ao Batismo, que significava o apagamento dos pecados. Jesus
estranhamente recebeu o Batismo; este, porém, implicou um divisor de águas na
vida de Jesus.
Rodrigo Cavalcante não nega a historicidade dos milagres de Jesus que
curavam doentes. Mas pergunta: "como Jesus conseguiu curar as
pessoas?". Para tal interrogação o articulista não tem resposta.
Jesus morreu crucificado,
porque irritou os fariseus com sua pregação e seus milagres. Tal morte não
passava de um evento policial, sem grande repercussão. Todavia os seus
discípulos imaginaram-no ressuscitado, concepção esta que São Paulo adotou e
propagou, fazendo de Jesus o Messias não só dos judeus, mas de todos os homens.
Este gesto de S. Paulo foi corroborado pelo Imperador Constantino no século IV. Assim Yeshua tornou-se o Cristo ou o
Messias universal. - Este final da estória de Jesus reconstituída pelo repórter
é sumário e insuficientemente explicado.
Vejamos agora:
2. Que dizer?
Antes do mais, notemos
que Rodrigo Cavalcante nada diz de novo em comparação com quanto já disse a
crítica racionalista. O que a reportagem tem de próprio é a reconstituição do
ambiente humano em que terá vivido Jesus, graças aos progressos da arqueologia
e da história antiga. O fato, porém, de ter Jesus vivido como os demais judeus
viviam, não quer dizer que não podia ser o que os Evangelhos lhe atribuem: Deus
Filho feito homem em tudo, exceto no pecado. - Como quer que seja,
analisemos de mais perto as etapas do currículo de vida proposto pela
reportagem.
2.1. Nascimento de Jesus
A Escritura, a
Tradição oral e a arqueologia atestam que Jesus nasceu em Belém, pois era da
estirpe de Davi e, por isto, José e Maria deviam recensear-se na cidade de
Davi. - O fato de ter Jesus
vivido em Nazaré não exige tenha lá nascido; é gratuita a negação da natividade
do Senhor em Belém, deve-se a um preconceito sem fundamento objetivo.
De fato Jesus não
nasceu no início da era cristã, mas provavelmente no ano 6 a.C, pois Herodes o Grande,
que mandou matar as criancinhas de Belém na idade de dois ou menos anos, morreu
no ano 4 a.C; donde se vê que
Jesus nasceu antes do ano 4 a.C. dentro do biênio que vai de 4 a 6 a.C. O cômputo falho é
devido a Dionísio o Pequeno (século VI); que deu origem à atual divisão dos tempos,
que não diminui em coisa alguma a figura de Jesus.
A data de 25 de dezembro foi
escolhida porque então se celebrava o Deus Mitra ou o Sol Invicto; a Igreja
queria assim dizer que o verdadeiro Sol Invicto é Jesus; foi "batizada" a festividade pagã.
2.2. Os Irmãos de Jesus
A questão dos irmãos
de Jesus já foi freqüentemente abordada em PR, ver PR 472/2000, pp. 432ss; 395/1995, pp. 172ss; 376/1993, pp. 414ss; 370/1993, pp. 124ss. Em resumo, deve-se dizer que a palavra
grega adelphós traduz o hebraico ah, que significa parente
ou familiar (o grego do Novo Testamento supõe o aramaico da pregação oral dos
Apóstolos); esta interpretação é corroborada pelo fato de que Jesus, ao morrer,
confia sua mãe a João, filho de outra família ou de Zebedeu e Salomé. Ademais
toda a Tradição oral viu nesses adelphós os primos de Jesus; seja
citado o Protoevangelho de Tiago, datado de 150 aproximadamente, que
professa ser Jesus filho único, pois seus "irmãos" seriam filhos de
São José em primeiras núpcias. Não se pode ler a Escritura independentemente da
Tradição oral que a berçou e ilustra.
2.3. Vida oculta e pregação
Que Jesus tenha sido
carpinteiro, lavrador ou construtor de casas, é questão de pouca importância.
Mais verossímil e fundamentado tanto no Evangelho quanto na Tradição oral é
dizer que foi carpinteiro.
Jesus, aos trinta anos,
começou a pregar não por causa de injustiças sociais ou por motivos políticos,
mas por razões estritamente religiosas ou para revelar Deus e seu plano aos
homens: "Ninguém jamais viu a Deus; o Filho Unigénito, que está no seio do Pai, no-lo revelou" (exegésato, fez a exegese).
2.4. Os milagres de Jesus
O repórter não ousa negar a historicidade dos milagres de Jesus, mas
confessa não os poder explicar. Na verdade, tais feitos eram semeia ou sinais, como diz São João
(cf. Jô 12, 37), sinais que credenciavam a pregação de Jesus e preparavam a
aceitação do milagre ou sinal da ressurreição, comprovante máximo da
messianidade de Jesus (cf. Mt 12, 38-42), a realidade desses sinais explica que
muitos judeus tenham reconhecido em Jesus o vencedor da morte, quando apareceu
ressuscitado aos discípulos.
2.5. A morte e a ressurreição de
Jesus
À primeira vista, a morte de
Jesus crucificado foi um fracasso, que afugentou os Apóstolos, com exceção de
João. Não chamou a atenção das autoridades romanas, porque ocorreu num rincão
do Império Romano numa época em que muitos sediciosos insignificantes eram executados.
Algo, porém, deve ter acontecido para que os Apóstolos recuperassem a fé em
Jesus. Esta não se deve à alucinação ou efeito mentalmente doentio, pois os seguidores de
Jesus estavam longe de imaginar um Messias crucificado e ressuscitado. A
incredulidade que os discípulos opuseram à notícia da ressurreição foi superada
pela evidência dos fatos; caso típico é o de Tomé incrédulo, que pediu e obteve
credenciais para crer (cf. Jo 20, 24-29).
2.6. São Paulo e o Imperador Constantino
De perseguidor que era, São
Paulo tornou-se o grande arauto da ressurreição e da messianidade de Jesus,
vencido pela eloqüência dos acontecimentos o Jesus que ele apregoa é o Jesus
dos evangelhos aprofundado em longa meditação; o Jesus da fé cristã é o Jesus
da história autenticamente interpretado. Não há dois Jesus, mas um só, ora
visto como companheiro de caminhada pelas estradas da Palestina, ora visto em
profundidade como o homem no qual residiam os tesouros da Divindade (cf. Cl 1,
19; Ef 1, 15-22; 3, 8).
Constantino apenas
corroborou essa fé dos cristãos, dando-lhes liberdade de expressão. É falsa a tese de
Richard Rubenstein segundo a qual Jesus "se tornou Deus em Nicéia",
num Concílio presidido pelo Imperador; tal tese já foi refutada em PR 534/2006, pp. 530ss. O Novo Testamento
atesta a Divindade de Jesus, testemunho este ao qual faz eco a Tradição cristã
anterior a Constantino.
3. Conclusão
Verifica-se, mais uma vez, que a
crítica racionalista dos Evangelhos é inconsistente; parte de preconceitos
gratuitamente afirmados. O repórter de SUPER INTERESSANTE se apoia em muitos
autores entrevistados por ele, dando a impressão de trazer a público a última
palavra da exegese bíblica, impressão, porém, que se dissipa após atento exame
dos argumentos da crítica e dos textos bíblicos citados pelos críticos
racionalistas.