Velhas
heresias em novas roupagens
Satanás
não é muito criativo. Suas ideias são repetitivas. Heresias novas nada mais são
do que restauração de velhos erros. O próprio modernismo, condenado por São Pio
X, foi, por este Papa, classificado como um conjunto de todas as antigas
heresias com uma nova roupagem.
Nesse
sentido, não devemos nos espantar de ver na teologia ensinada pela Reforma
Protestante um renascimento das ideias na Antiguidade já professadas – e
igualmente pela Igreja condenadas.
Buscando
um suporte patrístico para as absurdas sustentações protestantes, os
reformadores envolveram-se no ambiente histórico de polêmicas passadas.
Todavia, essas mesmas polêmicas foram terminadas pela autoridade do Sumo
Pontífice, a qual não era aceita pela doutrina protestante. Dessa forma, não
poderia haver, no seio do protestantismo, uma norma objetiva que impedisse as
heresias de se alastrarem entre as várias correntes que constituíam o
movimento, no melhor espírito do livre-exame de Lutero.
Deslocando
a época da Patrística para o Renascimento, importaram também os erros contra os
quais os Padres da Igreja lutaram. Sem a autoridade romana, tão cara aos
Padres, não se viram os reformadores com condições de separar o joio do trigo,
a mentira da verdade, o erro da ortodoxia, ressuscitando velhos credos
heréticos, há muito condenados. Nascido uma heresia – negação do primado do
Papa, da concepção católica dos sacramentos, e da Tradição Apostólica –, o
protestantismo só veio a contaminar-se mais ainda de outras heresias, essas
sim, novos modos de demonstrar ancestrais erros.
A
grande heresia contra a qual lutou a Igreja Cristã dos primeiros séculos foi o
arianismo. Pregava Ário, o principal líder dessa seita, que Cristo não
participava da essência divina. O Verbo, para os arianos, não era Deus, porém a
mais perfeita criatura. Só era Cristo o Filho de Deus na medida em que recebera
do Pai uma "adoção" em um dado momento histórico, ou que nascera
sendo por Deus criado. Para o arianismo, as naturezas divina e humana eram,
então, incomunicáveis. Contra os erros de Ário, foi convocado o Concílio
Ecumênico de Nicéia I, que àqueles condenou.
Gerou o
arianismo outras ideias errôneas. Entre elas o nestorianismo, doutrina
professada por um Patriarca da Constantinopla que logo foi deposto de seu alto
cargo. Nestório – de onde o nome da heresia – confundia os termos
"natureza" e "pessoa". Assim, à doutrina comum de que Jesus
tinha duas naturezas – o que será explicitado mais tarde –, acrescentou o heresiarca
o falso entendimento de que em Cristo havia duas pessoas. Os nestorianos
professavam que o Verbo de Deus era uma Pessoa Divina, e que se uniu, no seio
da Santíssima Virgem, a uma criatura humana, formando Jesus Cristo. No
Salvador, haveria, então, uma Pessoa Divina e uma pessoa humana. Restava que
divindade e humanidade continuavam separados, eis que a união em Cristo não era
essencial, substancial. Sem perceber, Nestório, atacou a base do cristianismo,
que é a perfeita união entre o homem e Deus – naturezas humana e divina – a na
única Pessoa divina de Jesus Cristo. Pensando assim, nada mais natural do que
afirmar que Nossa Senhora era a Mãe de Cristo, mas não a Mãe de Deus, uma vez
que, não estando unidas as naturezas numa só Pessoa Divina, mas, segundo tal
heresia havendo duas pessoas realmente distintas, o fruto gerado no ventre
daquela Santíssima Virgem seria a pessoa humana unida à Divina. A doutrina
católica sustentava a união entre as naturezas humana e divina em uma só Pessoa
Divina. Assim, sendo Maria a mãe da natureza humana, não o sendo da natureza
divina, era, ao menos, Mãe de Deus pela hipostática união entre elas na única
Pessoa, esta sim, Divina. Condenou-se o nestorianismo no Concílio Ecumênico de
Éfeso, que proclamou oficial o título mariano de Mãe de Deus, Theotókos.
Com
premissas diferentes, e para combater as pretensões de Nestório, surge o
monofisismo, equivocada compreensão das decisões conciliares de Éfeso. Se esse
sínodo defendeu que em Cristo havia uma só Pessoa, a Divina, os monofisistas
entenderam essa única personalidade como apenas uma natureza. Se o
nestorianismo enfatizava a separação em Cristo, exagerando de tal modo que
separava as pessoas, o monofisismo enfatizava a união, exagerando de maneira a
pregar que as naturezas eram uma só. O principal líder da seita, Êutiques,
acreditava que a natureza humana tinha sido como que absorvida pela natureza
divina. A consequência filosófica era a mesma do nestorianismo: novamente, por
razões diferentes desta vez, as esferas divina e humana estavam separadas. Se o
humano tinha sido absorvido pelo humano em Cristo, a humanidade de Nosso
Salvador deixava de existir na prática. Isso gerava a conclusão de que a
humanidade continuava fora da esfera divina. Tal heresia foi apreciada
negativamente pelo Concílio Ecumênico de Calcedônia.
Tentando
reunir os católicos ortodoxos com os monofisistas, o imperador patrocinou o
ensino do monotelismo. Por essa nova heresia, pretendia-se de que em Jesus
Cristo havia de fato uma só Pessoa, e duas naturezas, contrariando o
nestorianismo e o monofisismo. Pecava, entretanto, pela errada compreensão de
que, apesar das duas naturezas, havia somente uma vontade. A humana inexistia,
permanecendo apenas a divina. Negava-se, assim, por necessárias consequências
filosóficas – não dizemos que isso seja o pretendido pela heresia em si –, a
liberdade humana. O monotelismo fez nascer um fatalismo que atacava o
livre-arbítrio. Se em Cristo a vontade humana era uma ilusão, havendo apenas
uma vontade divina, o que se dirá de nós, pobres criaturas? Pelo monotelismo,
só se poderia conceber o homem como ser escravo, sem vontade livre, e
necessariamente usado pela vontade divina.
Não é
isso, afinal, o protestantismo? Ao afirmar que, pelo pecado, o homem se separou
completamente de Deus, nada mais havendo nele de bom, restaura-se a visão
antropológica que tanto o nestorianismo quanto o monofisismo, e em parte o
próprio arianismo, tinham: a esfera humana está completamente fora da esfera
divina. Ao negar o livre-arbítrio do homem, o protestantismo faz reviver a ideia
monotelita de ausência de vontade no ser humano, restando somente a de Deus.
Lógico
é que o nestorianismo seja a premissa protestante por excelência, nessa
temática da Encarnação. Lembremos a tendência atual da maioria dos setores protestantes
de negar o título de Mãe de Deus à Virgem Maria… Muitos, ao serem interpelados
por apologistas católicos sobre ser Jesus Deus e homem ao mesmo tempo, e por
isso mesmo, sendo Maria mãe de Cristo só pode ser também Mãe de Deus,
respondem, quase como se fossem o próprio Nestório: – A Virgem Maria é mãe de
Cristo enquanto homem, e não de Cristo enquanto Deus! Ora, Deus e o homem estão
unidos em Cristo na mesma Pessoa, e é esta Divina. Só para o nestorianismo, que
confunde os termos, é que não. O protestantismo é herdeiro do nestorianismo!
Também
é espiritualmente nestoriana a oposição entre Igreja visível e invisível, como
pregava Lutero e sustentam os protestantes. Como Nestório opõe as naturezas de
tal modo que as considera pessoas distintas, a Igreja invisível e espiritual
estaria, para os protestantes, oposta à visibilidade ensinada pelo catolicismo.
Nestório negou que o homem Jesus fosse Deus; Lutero nega que a Igreja visível,
humana, seja a mesma Igreja invisível, divina, católica.
Por
outro lado, todas as heresias antigas, principalmente o nestorianismo, o
monofisismo e o monotelismo, contribuíram para o surgimento do iconoclasmo,
violento movimento que combatia o culto às imagens. A negação de real ligação
entre o mundo humano e o divino excluiu a verdadeira possibilidade de união
entre Deus e o mundo material e sensível, e isso refletiu-se radicalmente no
nascimento do iconoclasmo, justamente porque este odeia as imagens ao odiar a
materialização do espiritual.
Não são
os protestantes, outrossim, os maiores inimigos das imagens?
Veritatis
Splendor