Onde estudar doutrina católica?
By Jorge Ferraz 25/06/2017
Alguém me perguntou recentemente onde estudar doutrina católica.
A pergunta, fazendo-me pensar talvez pela primeira vez em muito tempo sobre o
assunto, fez-me perceber que não existem (mais) espaços virtuais de referência
em catolicismo, como tais amplamente reconhecidos e capazes de pautar as
discussões sobre determinados temas. Hoje tudo é muito pulverizado e, se por um
lado há um ganho na amplitude dos assuntos acessíveis, por outro lado uma visão
sistemática do todo exige, da parte do leitor, uma disciplina que a própria
pulverização da informação torna cada vez mais difícil conseguir.
As coisas eram
diferentes há uns dez anos atrás: tudo era muito mais, por assim dizer,
concentrado. Os católicos estavam reunidos no canal #catolicos do IRC. Havia
duas comunidades “Católicos” no Orkut, uma maior, e mais superficial, e outra,
menor, voltada especificamente para dúvidas e debates. Havia dois grandes sites
de referência em Catolicismo, o Veritatis Splendor e o da
Associação Cultural Montfort. Havia a lista de emails do prof. Carlos
Ramalhete, a tradicao-catolica. E praticamente era só.
Se alguém quisesse saber algo sobre um determinado assunto, os
sites eram organizados tematicamente, sendo relativamente fácil encontrar o que
se procurava. Se alguém tivesse alguma dúvida mais elaborada, a comunidade do
Orkut era palco dos mais apaixonados debates — sobre temas não raro inéditos e,
às vezes, bem espinhosos. A lista de emails do Yahoo Groups, por sua vez,
também já abrigou as polêmicas católicas mais exaltadas que já trafegaram
mediante TCP/IP. Em suma, havia uma grande concentração de esforços em um
número restrito de espaços, o que tornava cada um deles um centro de
excelência.
Hoje não. Primeiro
porque, por incrível que pareça, as ferramentas que incentivam construção
colaborativa de conhecimento são hoje mais raras do que nos primórdios da Web
2.0: o Facebook, convenhamos, é no máximo arena de propaganda, não comunidade
de discussões. Segundo porque os blogs ocuparam o espaço dos grandes portais, e
a proposta do blog é diferente daquela de um portal de referência: no próprio Deus
lo Vult!, por exemplo, há sem dúvidas muito conteúdo de relativa qualidade,
mas eu não posso dizer que, depois de quase uma década, haja suficiente
sistematização dos textos aqui publicados. Se alguém chega agora e me pergunta
o que já escrevi sobre um dado assunto, eu tenho pouca coisa a fazer além de
recomendar o mecanismo de busca do site… Além do mais, os blogs, em regra
projetos pessoais, costumam ter o estilo dos seus autores e o ritmo de sua
disponibilidade particular, e um site que consegue manter uma boa equipe tende
a possuir maiores versatilidade e constância.
Resumindo, a minha sincera impressão é a de que hoje a
informação é muito mais completa e mais detalhada do que no início dos anos
2000, mas no entanto está muito mais espalhada — sendo, por isso, de muito mais
difícil acesso.
Onde estudar então doutrina católica? Bom, pensando no assunto à
luz do que falei acima, o que posso fazer é dar alguns conselhos que mimetizem,
o quanto seja possível, a minha experiência particular da década passada. Se
isso interessar a alguém, ótimo.
No tocante a dúvidas
gerais sobre o Catolicismo envolvendo temas polêmicos, a sempre recomendada
revista do saudoso D. Estêvão oferece uma espécie de apologética preambular. Os
temas lá tratados, embora raramente sejam exauridos (até por conta dos limites
de espaço), são contextualizados de modo bastante satisfatório para quem
pretende entender os contornos gerais do problema. Muitas edições da revista
estão disponíveis online e podem ser acessadas aqui (Católicos Online).
Desconheço se há alguma perspectiva de digitalizar os exemplares faltantes.
Para se obter uma visão
ampla dos diversos ramos do Catolicismo o caminho mais simples é a leitura dos
manuais — em português antigo, quase sempre xerocados ou, pior, em xerox
digitalizadas. Para citar os mais facilmente encontráveis: Dogmática, Ludwig Ott; Moral, Del Greco, Royo Marín; Mística, Tanquerey. Também o Boulenger (Instrução Religiosa; Apologética) me foi muito útil nos proêmios do
Catolicismo. Alguns sites que possuem obras valiosas disponíveis na íntegra são
o Mercabá,
o Alexandria Católica e o Obras Raras
do Catolicismo: não deixem nunca de visitar, divulgar e colaborar
com eles.
Livros clássicos, há-os muitos e é até difícil sistematizá-los
aqui. Mais uma vez, com base unicamente na minha experiência particular, sem
nenhuma sistematização mais rigorosa, sem pensar muito no assunto, os livros
que tiveram maior relevância na minha formação foram: o Tratado da verdadeira
devoção à Santíssima Virgem (São Luís de Montfort), A prática do amor a Jesus
Cristo (Santo Afonso de Ligório), Filotéia (São Francisco de Sales), Ortodoxia
(Chesterton), A Fé em Crise? (Vittorio Messori / Card. Ratzinger), A Imitação
de Cristo (Tomás de Kempis), Confissões (Santo Agostinho), O Diálogo (Santa
Catarina de Sena). Ao lado destes há um sem-número de outros cuja não-leitura
até hoje perfaz talvez o aspecto mais embaraçoso da minha parca erudição, como
a História de uma Alma (Santa Teresinha), o Castelo Interior (Santa Teresa), A
alma de todo apostolado (Dom Chautard), As Grandes Heresias (Billoc), a
Apologia Pro Vita Sua (Card. Newman), As três idades da vida interior
(Garrigou-Lagrange) e tantos, tantos outros. Trata-se de lista que eu não tenho
envergadura para elaborar.
Leituras demoradas e
silenciosas de coisas antigas: em linhas gerais é isso. Reconheço que é uma
receita muito diferente da sistemática atual, onde a Timeline tem
uma efemeridade assustadora e onde as pessoas só parecem capazes de ler
manchetes ou assimilar memes. Mas eu penso que a apreensão de um conhecimento
sólido sobre o que quer que seja não condiz com a forma como se consome
informação na internet atualmente. É preciso parar para ler algumas coisas que
não fiquem mudando rapidamente na tela do computador ou do celular enquanto
você olha para o lado: é preciso ler aquilo que tem suficiente estabilidade ao
longo do tempo para valer a pena ser lido. Talvez essa não seja a única forma
de se aprender doutrina católica, reconheço; mas serviu para mim e,
portanto, talvez sirva para mais alguém.
Fonte: Deus lo Vult