A desgraça do mundo moderno
Pe. João Batista de A. Prado
Ferraz Costa
Quantas e quantas vezes em meu
combate, em discussões mais acaloradas, não ouvi uma sentença mais ou menos
nestes termos: “Não se deu conta ainda de que o mundo se libertou das trevas da
ignorância, dos preconceitos, dos tabus, da tirania, do despotismo, graças ao
iluminismo?”
É preciso, pois, estudar e entender
melhor o que foi o iluminismo e suas consequências. Há uma vasta e excelente
literatura sobre o assunto. Todavia, nunca é demais tentar informar um público
maior, não dado a leituras mais densas, um público que acaba sendo enganado
pela propaganda ideológica subversiva que doura o iluminismo como se
representasse um grande avanço da humanidade, uma descoberta libertadora do
homem, que o tivesse tornado essencialmente melhor que o homem antigo, o homem
histórico, ou ainda mais perfeito que o homem redimido e feito filho de Deus
pelo batismo e membro do corpo místico de Cristo a Santa Igreja Católica.
A primeira coisa que cumpre dizer é
que o iluminismo não representa absolutamente um período de desenvolvimento e
aprofundamento da filosofia ou de um progresso do conhecimento humano em geral.
Não houve disparate que não fosse sustentado pelos “filósofos das luzes”, como,
por exemplo, a negação da causalidade por David de Hume, um dos precursores do
iluminismo. Ele, contraditoriamente, queria descobrir a causa que levava o
homem a confundir a sucessão constante entre dois fenômenos com a relação de
causa e efeito! E o pior é que tal absurdo lhe valeu a admiração de outros
autores que aumentaram e sofisticaram ainda mais os seus erros.
Acrescente-se ainda que os
verdadeiros métodos científicos modernos não devem nada ao iluminismo. Bacon é
anterior ao iluminismo e certamente ficaria horrorizado com o que alguns
iluministas disseram sobre a ciência. E debocharia do otimismo pueril de muitos
deles.
Outra acusação que se deve fazer
contra o iluminismo é quanto ao seu endeusamento da razão. O hino iluminista à
razão está longe de ser um reconhecimento reverente da capacidade da
inteligência humana de conhecer a natureza humana e o mundo, adequar as coisas
às necessidades do homem e promover, enfim, a ciência e a cultura. Pelo
contrário, há no iluminismo uma tendência a rebaixar o homem à condição de
irracional. É verdade que tal tendência prevalece, sobretudo, em Rousseau,
justamente por isso classificado, sob certos aspectos, como um opositor do
iluminismo.
Entretanto, é inegável que o fruto
próprio do iluminismo tenha sido um amesquinhamento da razão humana considerada
inepta para conhecer a realidade e reduzida a instrumento (por contraditório
que pareça) de manipulação da realidade. O endeusamento da razão significa
apenas um desprezo da fé, seja porque basta uma religião natural (o homem é bom
e não precisa de uma religião redentora) seja porque o homem não pode sequer
saber racionalmente se Deus existe.
Pois bem. A razão humana reduzida a
instrumento de manipulação da realidade será empregada especialmente na
planificação da sociedade e na direção da economia. Tudo deverá ser enquadrado
no método geométrico. Como se vê, a consequência não pode ser outra senão
desembocar num dirigismo socialista, centralizador, estatizante, na pior
tirania que se possa conceber. É a desgraça do mundo moderno. O professor
Wolfgand Röd, em sua obra O caminho da
filosofia (Brasília UNB, 2014) mostra muito bem a relação entre o
iluminismo e o socialismo.
Por conseguinte, importa reconhecer
que a democracia moderna, nascida da Revolução Francesa, sob o influxo do
iluminismo, nos conduz ao totalitarismo na medida em que despreza as
instituições tradicionais, a formação orgânica e história da sociedade e tenta
organizar toda a vida social por meio de uma panacéia chamada constituição
feita por “legisladores” e “representantes do povo soberano” escolhidos por
meio da mentira universal das urnas.
Ademais, o iluminismo leva ao
desamor e à desunião entre as famílias e os homens em geral. Com efeito,
negando a capacidade da inteligência do homem de conhecer a realidade objetiva,
nega ipso facto à vontade do
homem a capacidade de amar e respeitar o seu semelhante tal qual é mas só
enquanto se adapta ao molde a que o submete. É por isso que os comunistas dizem
“pior para os fatos” se resistem à revolução. À “companheirada” tudo; aos
outros, mentira e paredon!
Esse subjetivismo da mentalidade revolucionária
é a causa de tantos caprichos e arbitrariedades das autoridades modernas que se
dizem democráticas, abertas ao diálogo, tolerantes etc, mas na verdade só
cultuam seus juízos e idéias próprias que dizem valer mais que toda a história
da humanidade, que toda a tradição, enfim, mais que todo o o mundo.
Assim, por exemplo, Paulo VI dizia:
“Sono convinto che un pensiero mio, un pensiero della mia anima, vale per me
più di qualunque cosa al mondo” (Apud Romano Amerio, Iota Unum, Ricciardi, Milano, 1985, p.
155). Sem dúvida, parece que se está lendo uma página de Descartes. Cogito, ergo sum!
É por causa desse subjetivismo da
cultura moderna que os papas pós-conciliares não aceitaram nenhuma advertência
por reverencial que fosse, no sentido de alertá-los de que as novidades que se
estavam introduzindo na Igreja eram perniciosas e demolidoras. Pense-se, por
exemplo, no famoso Breve Exame Crítico da Missa Nova enviado a Paulo VI pelos
cardeais Bacci e Ottaviani. Recorde-se o famoso episódio ocorrido durante o
Vaticano II quando um prelado advertiu Paulo VI sobre o perigo da colegialidade
como um erro condenado pela Tradição e, não obstante, Montini saiu em defesa da
novidade.
De modo que hoje só um milagre
poderá demover Francisco I de sua obstinação na nova pastoral familiar. Cada um
tem sua concepção de bem e deve segui-la, disse ele.
Para quem está imbuído da cultura
moderna, está claro que a tradição não vale nada. A família muda ao longo da
história. Nada foi sempre assim no mundo e talvez no futuro as coisas pouca
semelhança guardem com o que vivemos hoje. O homem pode planejar tudo a seu bel
prazer.
Que restará à Igreja dizer ao homem
moderno?
Anápolis, 13 de novembro de
2015.
Festa de São Diogo confessor