A
importância do perdão
Quem não perdoa, atrofia a sua
capacidade de amar.
O perdão é importante para a vida
espiritual porque envolve o amor. Quem não perdoa, atrofia a sua capacidade de
amar. Mas, por que é tão difícil fazê-lo? Porque, além de não sermos nem anjos
nem animais – mas um composto de corpo e alma –, por conta do pecado original,
tendemos a olhar para o mundo externo como para um inimigo. De fato, o demônio
convenceu Adão e Eva de que o próprio Deus era seu inimigo [1]. Por isso, o homem
se fecha e tem dificuldades em perdoar e amar.
Uma psiquiatra suíça chamada
Elisabeth Kübler-Ross, analisando pacientes terminais em hospitais e pessoas
traumatizadas por perdas de entes queridos ou situações dramáticas, criou um
modelo expondo como as pessoas reagem psiquicamente a ofensas, tragédias e
lutos. As suas observações se popularizaram como “os cinco estágios do luto”.
Primeiro, em uma atitude de
autodefesa, as pessoas tendem a negar o que está acontecendo, ou por sua
soberba ou pela própria dificuldade da situação, como se “o que vem de baixo
não as atingisse”.
Depois, passa-se pela fase da
ira. A pessoa atingida procura um bode expiatório, alguém sobre quem possa
descarregar a sua raiva. Esse culpado pode ser real – como sinal de uma noção
de justiça –, mas também pode ser uma ficção, uma alucinação que inventa um
falso algoz. Importa dizer que a raiva foi criada por Deus, mas deve ser
direcionada aos objetos corretos. Como indica o Apóstolo, “a nossa luta não é
contra o sangue e a carne, mas contra os principados, as potestades, os
dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelo
espaço” [2]. Santo Tomás explica que “os pecadores não deixam de ser homens,
pois o pecado não lhes destrói a natureza”. E remata:
“Nos pecadores,
pode-se considerar duas coisas: a natureza e a culpa. Pela natureza que
receberam de Deus, eles são capazes da bem-aventurança, sobre cuja comunhão se
funda a caridade, como já foi dito. Por isso, segundo a natureza, devem ser
amados pela caridade. Mas, a sua culpa é contrária a Deus e um obstáculo para a
bem-aventurança. Assim, segundo a culpa que os opõe a Deus, eles merecem ser
odiados, mesmo que sejam pai, mãe ou parente, conforme o Evangelho de Lucas.
Devemos, pois, odiar os pecadores, enquanto tais, e amá-los, enquanto são
homens capazes da bem-aventurança. E isso é verdadeiramente amá-los pela
caridade, por causa de Deus.” [3]
No terceiro estágio, a pessoa
entra em uma espécie de depressão, por conta de um sentimento de culpa. Para
resolver essa situação, a culpa deve ser iluminada pelo perdão e pela
misericórdia de Deus. Como explicado na primeira Direção Espiritual, sobre a
dificuldade de amar [4], é Deus quem nos ama primeiro e, por isso, podemos nos
doar de presente aos outros. Do mesmo modo, a chave para perdoar a si mesmo e a
quem nos ofende é o próprio perdão que Deus nos oferece, como pedimos na oração
do Pai-Nosso: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos que nos
devem” [5]. Quem tem dificuldade de perdoar padece de uma doença de memória:
esqueceu a sua condição de pecador, perdoado por Deus de uma ofensa infinita
cometida contra a Sua majestade.
No quarto estágio, tomados pelas
paixões, queremos estabelecer uma espécie de barganha, colocando condições para
o perdão. Por fim, na fase da aceitação, finalmente se concede o perdão
gratuitamente, brotando de Deus.
É importante notar que esse
recurso procura retratar psicologicamente uma realidade que é eminentemente
espiritual, afinal, ninguém pode amar sem receber a graça de Deus. Esse
processo de cura psíquica descrito por Kübler-Ross, portanto, é perpassado por
uma verdadeira luta espiritual, que começa na oração e termina em nossa vontade
se dobrando diante da vontade divina.
Lembremo-nos das palavras de
Nosso Senhor: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” [6];
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” [7]. Diante do Santo
Inocente, que, na Cruz, tudo perdoou, dizendo: “Pai, perdoa-lhes! Eles não
sabem o que fazem!” [8], como não perdoar a falta do irmão que nos ofendeu e
aproveitar essa oportunidade para amar a Deus? Pode até ser que a pessoa que
nos machucou não mereça o nosso perdão, mas Aquele que morreu por nossa causa
na Cruz certamente o merece.
Referências
- Cf.
Gn 3, 4-5
- Ef
6, 12
- Suma
Teológica, II-II, q. 25, a. 6
- Cf.Direção Espiritual: A dificuldade de amar
- Mt
6, 12
- Mt
5, 7
- Lc
6, 36
- Lc
23, 34