O APÓSTOLO DO
BRASIL
Dom Fernando Arêas Rifan*
No dia 2 de abril,
às 9 horas da manhã, conforme pede a CNBB, os sinos de todas as igrejas do
Brasil repicarão em sinal de alegria, gratidão e comunhão, pois nesse dia o
Santo Padre o Papa Francisco assina o decreto de canonização do Apóstolo do
Brasil, isto é, inscreve no “cânon” (catálogo) dos santos o Padre José de
Anchieta, agora São José de Anchieta.
Tive a graça de
assistir à sua beatificação, no dia 22 de junho de 1980, na Basílica Vaticana,
feita pelo Santo Padre, o Beato João Paulo II, pois, na ocasião, estava em Roma
como secretário de meu saudoso Bispo, Dom Antônio de Castro Mayer, então em
visita ad limina.
O “Santo do Brasil”
nasceu na verdade em Tenerife, no arquipélago espanhol das Canárias, em 19 de
março de 1534. Tendo recebido uma primorosa educação cristã em sua família, foi
enviado a estudar em Coimbra, onde dividia o seu tempo entre o estudo e a
oração. Sentindo-se chamado por Deus para a vida consagrada e desejando levar a
luz do Evangelho aos que não o conheciam, entrou, aos 17 anos, na Companhia de
Jesus, sociedade religiosa missionária recém-fundada por Santo Inácio de
Loyola. Deus o provou com uma grave doença, com fraqueza e dores em todo o
corpo, durante dois anos. Os superiores decidiram enviá-lo ao Brasil, na
esperança de que o bom clima da terra lhe fizesse bem. Providência divina! Partiu
de Lisboa em 1553, com 19 anos de idade, acompanhando o novo Governador Geral
do Brasil, Duarte da Costa, e alguns outros jesuítas.
Viveu aqui no
Brasil dos 19 aos 63 anos, idade em que morreu, sendo ao longo desses 43 anos o
verdadeiro “Apóstolo do Brasil”, participando da fundação de escolas, igrejas e
cidades, liderando a catequese dos índios, aprendendo perfeitamente a língua
deles e escrevendo a primeira gramática brasileira em tupi. É, junto com o Pe.
Manuel da Nóbrega, o fundador da cidade de São Paulo, tendo estado também no
Rio por ocasião da fundação da cidade, onde dirigiu o Colégio dos Jesuítas.
Preparou alas da escola como enfermaria, criando a Santa Casa do Rio de
Janeiro, sendo, além disso, diretor do Colégio dos Jesuítas em Vitória ES.
A pé ou de barco,
Anchieta viajou pelo Brasil inaugurando missões, catequizando e instruindo os
índios e colonos, consolidando assim o cristianismo e o sistema de ensino no
país, fundando povoados, sendo assim o grande promotor da expansão e
interiorização do país.
Anchieta lutou para
que o Brasil não ficasse dividido entre portugueses e franceses. Quando,
apoiados pelos franceses, os Tamoios se rebelaram contra os portugueses,
Anchieta se ofereceu como refém, enquanto Manuel da Nóbrega negociava a paz.
Ficou cinco meses no cativeiro, resistindo à tentação contra a sua castidade,
pois os índios ofereciam mulheres aos prisioneiros. Para manter a virtude,
Anchieta fez uma promessa a Nossa Senhora de que escreveria um poema em sua
homenagem. Assim, tendo saído são e casto, escreveu na areia de Iperoig (hoje
Ubatuba) os 4.172 versos do célebre “Poema da Virgem”, que, depois, transcreveu
no papel.
Na dedicatória
final do poema, Anchieta, cheio de humildade, exprime o seu desejo do martírio:
“Eis os versos que outrora, ó Mãe Santíssima, te prometi em voto, vendo-me
cercado de feros inimigos. Enquanto entre os Tamoios conjurados, pobre refém,
tratava as suspiradas pazes, tua graça me acolheu em teu materno manto e teu
véu me velou intactos corpo e alma. À inspiração do céu, eu muitas vezes
desejei penar e cruelmente expirar em duros ferros. Mas sofreram merecida
repulsa meus desejos: só a heróis compete tanta glória!”.
Mas Anchieta sofreu
o martírio do apostolado e a dureza da evangelização na pobreza e no
desconforto. Assim ele descreve, em agosto de 1554, em carta a Santo Inácio de
Loyola, as instalações do Colégio de Piratininga, o embrião da cidade de São Paulo
e do sistema educacional brasileiro: “De janeiro até o presente se fez ali uma
pobre casinha feita de torrão e palhas com catorze passos de comprido e doze de
largo, moravam bem apertados os irmãos. Ali tinham escola, enfermaria,
dormitório, refeitório, cozinha e despensa... As camas eram redes, os
cobertores o fogo. Para mesa usavam folhas de bananas em lugar de
guardanapos... A comida vem dos índios, que nos dão alguma esmola de farinha e
algumas vezes, raramente, alguns peixinhos do rio e, mais raramente ainda,
alguma caça do mato... Todavia não invejamos as espaçosas habitações, pois
Nosso Senhor Jesus Cristo dignou-se morrer na cruz por nós”.
Na oração dele,
assim rezamos: “Senhor nosso Pai, através de São José de Anchieta,
evangelizastes o nosso Brasil. Ele amou os pobres e sofredores, amenizando e
curando seus males e foi solidário com os índios, ajudando-os a Vos conhecer e
amar em sua própria língua e costumes. Neste momento, ó Pai querido, por
intercessão do Beato Padre Anchieta, eu Vos peço..., fortalecido pela mediação
de Nossa Senhora, que ele muito amou em sua vida. Amém”.
*Bispo da Administração Apostólica
Pessoal São João Maria Vianney
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