As
seitas e os falsos milagres
“Cuidai
que ninguém vos seduza.” (S. Mateus XIV, 4)
Introdução
Em suas memoráveis “Controvérsias” – compilações apologéticas destinadas a reconquistar
as almas protestantizadas de Chablais – São Francisco de Sales demonstrou com brilhante lógica a falsa autoridade dos
patriarcas do protestantismo. Acusados de heresia, alguns adeptos da nova seita defendiam sua rebelião contra a Igreja alegando uma
extraordinária missão divina. Contra isso argumentava São Francisco que toda
missão imediata, isto é, recebida diretamente de Deus, deve ser confirmada com
milagres e profecias.
Assim,
para dar provas de sua divina missão, Moisés operou milagres e profecias. Nosso
Senhor Jesus Cristo, por virtude própria, também os fez para comprovar a
veracidade de sua divina missão. E a Igreja Católica, desde a sua fundação, tem
sido acompanhada de verdadeiros milagres e profecias.
Os pais
da reforma, pelo contrário, não apresentaram qualquer prova de sua suposta
“missão reformadora”. Neles não encontramos nem milagres e nem profecias.
Lutero, que exigia de Thomas Münzer provas milagrosas que confirmassem sua
pregação, não realizou nenhum e ainda garantiu que não os faria. Calvino, o
tirano de Genebra, deu provas apenas de seu descontrolado fanatismo,
perseguindo e matando quem se opusesse ao seu exame “infalível”. Henrique VIII,
com sua vida devassa, provou ser um assassino e um adúltero perverso. O
protestantismo não apresentou milagre algum na sua origem. E nem poderia, pois
Deus jamais concederia milagres para confirmar mentiras, induzindo os homens ao
engano e à perdição.
Apesar
desse fracasso inicial, suficiente para desmascarar a fraude dos hereges, seus
discípulos inconformados, embora tardiamente, ousaram apresentar de modo
abundante “sinais milagrosos” que o passado protestante não realizou. Gerados
na ruptura e na insubmissão, os hereges precisavam urgentemente dos milagres
para que não desmoronassem num paulatino descrédito. Era preciso aumentar a fileira
dos seguidores. A pregação sectária precisava de um atrativo convincente.
Prometer
muitos sucessos e uma vida fácil, com certeza de salvação, não seria tão
atraente quanto realizar grandiosos eventos “milagrosos”. Não bastava ensinar
uma nova “fé”: era preciso dar um show de prodígios. Com absoluta
confiança, os profetas da mentira passaram a anunciar com data e hora marcada o
próximo espetáculo de milagres. Nesse frenesi de “prodígios maravilhosos”,
somos inevitavelmente surpreendidos por uma imensidão de “milagres” exibidos
quase diariamente pela multiplicidade de seitas.
Em
qualquer subúrbio, em qualquer esquina, os mesmos fenômenos “inexplicáveis”.
Aleijados voltando a caminhar, cegos recuperando a visão, doentes sendo
curados, nada escapa à mão milagrosa do “pastor”. Parece-nos que fazer milagres
tornou-se tão comum quanto fazer “arroz com feijão”. Apesar desse surto de
“fenômenos inexplicáveis” por todos os lados, a qualquer alma com o mínimo de
bom senso custa aceitar que em todas essas seitas ocorrem verdadeiros milagres.
E essa recusa se fundamenta, principalmente, na oposição de credos que dividem
as seitas.
Se Deus
fosse o autor de todos esses “milagres”, estaria em evidente contradição, visto
que favoreceria doutrinas contraditórias. Ora, como Deus não pode ratificar o
erro e tampouco levar as almas a acreditarem nesse erro, podemos concluir
indubitavelmente que esses “milagres” são falsos.
Mas,
mesmo diante desse raciocínio lógico, muitos teimam e se perdem por confiar em
aparências fantásticas, e não na verdade que desmascara as obras fraudulentas
do demônio e de seus asseclas. Colocam o sentimento e a impressão pessoal acima
da doutrina. Ignoram a contradição, a falta de unidade e as mais evidentes
mentiras, focando apenas o maravilhoso manancial de “cura e libertação”.
Aparentemente,
esses caçadores de milagres acreditam que Nosso Senhor teria dito “Ide e
realizai milagres”, e não “Ide e ensinai a todos”. Em outras palavras, a
religião de Cristo seria essencialmente uma máquina de fazer milagres, quando,
na verdade, o milagre é algo excepcional, concedido especialmente para
conversão dos incrédulos.
Neste
tempo em que o encanto dos falsos milagres seduz as almas para o abismo das
seitas, é preciso desmascarar os hereges milagreiros e prevenir os católicos
abandonados na ignorância por um clero que, preocupado unicamente com as coisas
da terra, se recusa a ensinar as verdades do Céu.
Pode um herege fazer milagres?
Conforme
explica Santo Tomás em sua Suma Teológica, milagre é tudo aquilo que se realiza
fora de toda a ordem natural (Parte I, q.110, art. 4). A ressurreição, por
exemplo, é um evento milagroso que ultrapassa a ordem de toda a natureza
criada.
Embora
Deus seja o único Autor capaz dessa espécie de milagres, existem outros efeitos
igualmente admiráveis, apesar de inferiores, que não recebem o título de
verdadeiros milagres. São, por vezes, fenômenos naturais ou produções
diabólicas. A concepção desse princípio, referido pelo Aquinate, é
indispensável no processo de averiguação dos milagres divinos.
Conhecendo
a astúcia do demônio, Nosso Senhor estabeleceu alguns critérios pelos quais a
Igreja distingue Sua ação extraordinária no mundo das meras invenções do diabo.
Neste intento, a fé em Cristo constitui o primeiro e principal
elemento, mister para admissão de um verdadeiro milagre.
Pouco
antes de ascender aos Céus, Nosso Senhor revelou os sinais que acompanhariam os
convertidos:
“Estes
milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu
nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e, se beberem algum veneno
mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados”
(S. Marcos XVI, 16-19).
Cristo
estabelece uma ligação entre os milagres e a Fé. O Evangelho, disse Ele, será
anunciado a toda criatura pelos Apóstolos. Aos que acreditarem, Deus concederá
o poder de fazer milagres.
Dessas
claras palavras, proferidas pelo Verbo Encarnado, podemos inferir que sem fé
verdadeira é impossível fazer milagres.
Comentando
esse trecho do Evangelho de São Marcos, ensina São Jerônimo:
“Uma
e outra coisa é necessária aos que servem ao Senhor: que as obras se provem
com as palavras, e as palavras, com as obras” (apud Santo Tomás. Catena Áurea, Comentário ao Evangelho de
São Marcos XVI, 16-19).
Fé e
obras se confirmam mutuamente. Não pode existir contradição entre uma e outra.
No caso dos milagres a relação é idêntica: o milagre é confirmado pela Fé,
enquanto esta é confirmada pelos milagres. Neste sentido, Deus não pode validar
a palavra enganosa dos hereges concedendo-lhes obras milagrosas.
Uma
árvore ruim não pode produzir bons frutos (S. Mateus VII, 17-18).
Esses
frutos, explica Santo Agostinho, são as ações do homem. Enquanto este
persistir em sua maldade, não poderá fazer obras boas (Santo Agostinho, De
Sermone Domini, 2, 24).
Alguns
espíritos ecumênicos, esforçando-se para incluir as seitas entre os meios de
salvação, afirmam a possibilidade de milagres em qualquer religião citando o
seguinte trecho do Evangelho de São Marcos:
“João
disse-lhe: Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em
teu nome, e lho proibimos. Jesus, porém, disse-lhe: Não lho proibais, porque
não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de
mim. Pois quem não é contra nós, é a nosso favor” (S. Marcos, IX, 38-40).
Distorcendo
a correta interpretação desta passagem, argumentam os indiferentistas em defesa
do ecumenismo pós-conciliar, respeitador e favorecedor de todas as heresias. No
entanto, o escrito sagrado, se examinado atentamente, não permite essa
conclusão modernista.
Ao
corrigir o Apóstolo São João, que havia proibido alguém de expulsar demônios
porque não os seguia, Nosso Senhor fornece duas importantes informações:
1)Ninguém
que faça um prodígio pode em seguida falar mal de mim;
2)Quem
não é contra nós (Cristo e os Apóstolos), é a nosso favor.
Considerando
esses dois princípios, a idéia ecumênica dos milagres não se sustenta. Ora, os
hereges sempre acusam a Igreja Católica, recusando aceitar sua doutrina e suas
legítimas autoridades. Desprezando a Igreja e seus representantes, rejeitam a
Nosso Senhor como Ele mesmo asseverou: “Quem vos ouve, a mim ouve, e quem
vos despreza a Mim despreza” (São Lucas X, 16).
Com isso
Deus fornece mais uma luz para que os homens não caiam na sedução de certos
“festivais de prodígios”. Sabendo que o “milagre” se realiza entre os que
atacam e recusam submeter-se à Igreja de Cristo, pregando uma doutrina
contrária ao que ela sempre ensinou, não podem concluir senão pela falsidade ou
diabolicidade do prodígio.
Na
Catena Áurea de Santo Tomás encontramos várias interpretações dos padres e
doutores da Igreja que esclarecem os versículos do Evangelho segundo São Marcos
(IX, 38-40).
O primeiro
deles apresenta a seguinte explicação:
“Muitos
dos crentes haviam recebido certos poderes ainda que não estivessem com
Cristo, como o de expulsar os demônios, mas nem todos os haviam recebido por
ordem, posto que uns haviam-no recebido de uma vida simples…”(Pseudo-Crisóstomo apud Santo Tomás. Catena Áurea:
Comentário ao Evangelho de São Marcos, IX, 38-40).
Ainda
sobre o mesmo texto:
“E
acrescenta para manifestar que nada deve opor-se ao bem: ‘Ninguém que faça
milagres em meu nome poderá, portanto, falar mal de mim’. E o diz àqueles que
cairiam em heresia, como Simão, Menandro e Cherinto, os que por outra parte,
não operavam milagres em nome de Cristo, senão que os simulavam com certos
enganos. Estes ainda que não nos seguem – disse – não poderão dizer
verdadeiramente nada importante contra nós, posto que, fazendo milagres, honram
meu nome”(Op. Cit.).
Para
concluir, as palavras de Santo Agostinho:
“Manifesta
assim que aquele de quem havia tratado São João não havia se separado da
companhia dos discípulos como para reprovar-lhe como aos hereges,
mas como muitas vezes se separa os que, não se atrevendo a receber os
Sacramentos de Cristo, se mostram benévolos com os cristãos sem outro
objetivo que o de honrar seu nome” (Op.
Cit.)
O
conjunto dos comentários supra-expostos descarta a interpretação modernista dos
milagres. Aquele que expulsava demônios, sem estar com os apóstolos, não era
contra Cristo, como os hereges. Pelo contrário, acreditavam sinceramente em
Cristo, falando e agindo em seu Nome, mesmo sem pertencerem ao grupo dos
apóstolos. Portanto, o exorcista censurado por São João, de fato, seguia Nosso
Senhor, embora não andasse com seus discípulos.
Enquanto
o exorcista do Evangelho honrava o nome de Cristo e nada poderia dizer contra
Ele e seus discípulos, Deus lhe concedia o dom de fazer milagres. Mas, como os
hereges blasfemam contra Nosso Senhor, atacando sua Santa Igreja e ao mesmo tempo
chamando seu divino fundador de mentiroso, não fazem senão falsos milagres, que
afastam as almas da verdadeira religião.
“Por
isto – diz São Gregório Magno – a Igreja despreza os ‘milagres’ dos hereges,
porque não reconhece neles coisa alguma de santidade” (São Gregório Magno, Moralia, 20, 9).
Se o
exorcista defendido por Cristo como sendo seu favorável fazia verdadeiros
milagres, outros, embora recorressem ao Nome de Nosso Senhor, não lograram o
mesmo êxito, porque não eram convertidos.
O
mencionado evento consta nos Atos dos Apóstolos. Vejamo-lo a seguir:
“Alguns
judeus exorcistas que percorriam vários lugares inventaram invocar o nome do
Senhor Jesus sobre os que se achavam possessos dos espíritos malignos, com
as palavras: Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega. Assim procediam os
sete filhos de um judeu chamado Cevas, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno
replicou-lhes: Conheço Jesus e sei quem é Paulo. Mas vós, quem sois? Nisto o
homem possuído do espírito maligno, saltando sobre eles, apoderou-se de dois
deles e subjugou-os de tal maneira, que tiveram que fugir daquela casa feridos
e com as roupas estraçalhadas” (Atos
XIX, 12-18).
Evidentemente,
esses judeus não obtiveram sucesso em seu exorcismo porque não seguiam
sinceramente Nosso Senhor. O mesmo se pode dizer dos hereges, inimigos ferozes
da verdadeira fé, sem a qual é impossível agradar a Deus (Hebreus XI, 6).
Separados de Cristo e excluídos da Igreja, nada podem fazer de sobrenatural, a
não ser com auxílio das forças diabólicas.
A própria
finalidade dos milagres suplanta o “show prodigioso” dos hereges.
Segundo
expõe Santo Tomás, o milagre visa:
1)
Confirmar a verdade predicada;
2)
Demonstrar a santidade de alguém.
Quanto à
primeira espécie de milagres, ensina o Aquinate que qualquer um que ensina a
verdadeira fé e invoca o nome de Cristo, pode fazê-los; Quanto à segunda
espécie, somente os santos podem realizá-los para dar provas de sua santidade
(Parte II-II, q.178 art. 2).
A
primeira finalidade dos milagres (confirmar a verdade ensinada) pode ser
constatada no seguinte trecho do Evangelho de São Marcos:
“Os
discípulos partiram e pregaram por toda parte. O Senhor cooperava com eles e confirmava
a sua palavra com os milagres que a acompanhavam”(S. Marcos XVI, 20).
A segunda
(demonstrar a santidade de alguém) verifica-se neste outro trecho:
“Deus
fazia milagres extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e
outros panos que tinham tocado o seu corpo eram levados aos enfermos; e
afastavam-se deles as doenças e retiravam-se os espíritos malignos” (Atos dos Apóstolos XIX, 11-12).
Acerca
desse trecho, ratificador da santidade de São Paulo, escreve Teofilato:
“Mas
devemos ter presente que a palavra se confirma com a obra, como nos Apóstolos,cujas
palavras confirmavam os milagres que os acompanhavam”(Cf. Catena Aurea).
Quando
estava diante de Pilatos, Nosso Senhor declarou que veio ao mundo para dar
testemunho da verdade (S. João XVIII, 37-38). Os milagres, diz Santo Tomás, são
testemunhos daquilo para o qual se realizam. (Parte I-II, q.178 art.2, 2). Ora,
Deus não pode dar testemunho contra Si mesmo. Portanto, não pode a Verdade
Eterna testemunhar com milagres a mentira das seitas.
Orientando-se
por essas inconfundíveis verdades, dificilmente alguém seria atraído pela
propaganda “milagrosa” dos hereges. Os erros contra a fé bastariam para
menosprezar esses falsos milagreiros de subúrbio, por mais numerosos e
fantásticos que possam parecer seus espetáculos.
Caso
Deus Sapientíssimo concedesse milagres aos hereges, muitos seriam enganados por
uma falsa santidade e por uma falsa doutrina. E Deus, decreta a divina
Escritura, não pode e não quer nos enganar (Números XXIII, 19).
O demônio e seus prodígios
Alguns, por ignorância ou por orgulho, recebem
positivamente os “maravilhosos” prodígios exibidos pelas seitas. Na maioria dos
casos, são impelidos a este erro grosseiro não porque recusam a ideia de que os
verdadeiros milagres só acontecem na Igreja Católica, mas porque não encontram
outra explicação para o que veem de extraordinário nas reuniões dos hereges.
Encantados pelos efeitos “inexplicáveis”, deixam-se arrastar para o abismo da
heresia.
Com
razão advertiram os Apóstolos contra as seduções do demônio. O alerta é
enfático. São Paulo, referindo-se à segunda vinda de Nosso Senhor, previne os
cristãos quanto à origem dos efeitos fantásticos que serão produzidos pelo
ímpio:
“A
manifestação do ímpio será acompanhada, graças ao poder de Satanás, de
toda a sorte de portentos, sinais e prodígios enganadores” (II Tessalonicenses 2,9).
Falando
sobre os sinais que precederão seu glorioso retorno, Nosso Senhor acautela
contra os prodígios enganadores:
“Porque
se levantarão falsos cristos e falsos profetas, que farão sinais e portentos
para seduzir, se possível for, até os escolhidos” (São Marcos XIII, 22).
O poder
dos ímpios será de origem diabólica. Seus prodígios, por mais fantásticos, não
serão propriamente milagres, cuja finalidade é dar testemunho da verdade.
É da
astúcia do diabo camuflar a mentira sob aparência de verdade. E ele se esforça
para aproximar suas produções, tanto quanto possível, dos milagres divinos.
Entretanto, como o anjo das trevas também é criatura finita, com poderes
limitados, não pode fazer nada que ultrapasse a ordem da natureza criada, por
exemplo, ressuscitar um morto.
Comentando
o referido trecho do Evangelho de São Marcos, Santo Agostinho ensina que,
enquanto os bons cristãos operam milagres pela pública justiça, os magos e
hereges o fazem por contratos ocultos, auxiliados pelas potestades infernais.
Concluindo, afirma o santo Doutor não ser absurdo crer que, por intervenção dos
poderes inferiores dos anjos rebeldes, seja possível realizar verdadeiros
prodígios (Cf. Catena Áurea, Comentário ao Evangelho de São Marcos XIII, 22).
Tratando
das manifestações do Anticristo, Santo Agostinho escreve:
“Então
ficará Satanás em liberdade, e implantará pelo Anticristo todo seu poder de um
modo maravilhoso, ainda que falso. Ocorre que, com frequência, se duvida da
razão que teve o Apóstolo para chamá-los milagres e prodígios falsos. Pode ser
que, ofuscados os sentidos, vejam uma aparição que faz o que não pode
fazer, ou que, sendo verdadeiros prodígios, enganem aos que creem que só Deus
pode fazê-los, não conhecendo o poder do diabo, e menos naquele tempo em
que o terá maior que nunca” (op. cit.).
Este
poder do príncipe das trevas é detalhadamente descrito no livro de Jó.
O texto
sagrado diz que, para comprovar a fidelidade do justo chamado Jó, Deus permite
ao demônio destruir os bens deste servo. Para executar o que lhe foi
previamente concedido, o demônio fez cair fogo do céu, consumindo as ovelhas e
os escravos de Jó. Além disso, produziu um furacão, fazendo desabar a casa
sobre os filhos deste justo.
Nota-se
com isso que, sob a concessão divina, o demônio tem poder sobre os fenômenos da
natureza, podendo provocá-los para atingir seus fins, sempre malévolos.
Sobre
isso, Santo Agostinho – e nele apoia-se Santo Tomás – afirma que o demônio pode
manipular elementos da natureza, e com seu poder, produzir certos efeitos.
Na
última tentativa de abalar a fidelidade de Jó a Deus, o demônio lança sobre ele
uma terrível maldição: “Satanás retirou-se da presença do Senhor e feriu
Jó com uma lepra maligna, desde a planta dos pés até o alto da cabeça” (Jó
II, 7).
Vemos,
portanto, que certas doenças também podem ser produzidas pelo demônio. E se ele
pode causá-las, também pode retirá-las, sempre visando a perdição das almas.
Santo
Tomás faz uma pertinente distinção:
“Alguns
milagres não são verdadeiros, mas fatos fantásticos, pelos quais o homem é
enganado, de tal modo que pareça ver o que não é. Outros são fatos verdadeiros,
mas não são propriamente milagres, e que se devem às causas naturais.
Estas duas classes podem ser realizadas pelo demônio” (Parte II-II, q.178, art.2).
Assim
sendo, no que diz respeito às curas exibidas aos montes nas reuniões dos
hereges, estas podem advir da imaginação e de fraude humana; podem ser “fatos
fantásticos” destinados a iludir, ou ainda verdadeiros prodígios produzidos por
meio de fenômenos naturais, forjados pelo pai da mentira.
São
Francisco de Sales, relatando certas curas entre os não cristãos, não estranha
a hipótese de que, com auxílio do diabo, Vespasiano tenha de fato curado um
cego e um coxo, cujas deficiências não eram absolutamente incuráveis (Las
Controvérsias. Madrid: Casa editorial São Francisco de Sales, 1898, p.199).
Em
resposta a uma objeção, Santo Tomás argumenta que os poderes espirituais podem
fazer aquelas coisas que se fazem visivelmente neste mundo, utilizando por
movimento os germes dos corpos (Parte I, q.110, art.4, 3). Santo Agostinho é do
mesmo parecer, dizendo que os demônios podem utilizar certos germes que se
encontram nos elementos materiais (Parte I, q. 114, art.4, 2).
Ainda
sobre os poderes do demônio, escreve Santo Tomás:
“[...]
todas as mudanças das coisas corporais que podem realizar-se por qualquer
virtude natural, entre os quais estão os germes mencionados, podem realizar-se
pela operação dos demônios utilizando tais germes. Exemplo: Ao converter certas
coisas em serpentes ou rãs, as quais podem engendrar-se na putrefação. Mas as
mudanças das coisas materiais que não podem realizar-se por virtude da
natureza, de nenhum modo podem realizar-se na realidade pela ação dos demônios,
como que o corpo humano se converta em corpo de besta ou que um corpo morto
ressuscite. E se assim alguma vez parece fazer-se isso por virtude dos
demônios, não é assim na realidade, mas só na aparência” (op. cit.).
Por sua
natureza angélica, o demônio consegue fazer coisas que ultrapassam o poder e a
previsão dos homens. Assim como certos truques, pela habilidade de quem os
realiza, escapam ao alcance dos sentidos causando admiração, o demônio, com
muito mais facilidade, executa ações que excedem o poder e o conhecimento
humano, induzindo a crer que constituem verdadeiras manifestações milagrosas.
Embora pareçam milagres para os homens, as obras prodigiosas dos demônios não
chegam a essa categoria.
Ademais,
se os anjos decaídos podem operar certas coisas dentro da ordem da criação,
produzindo fenômenos naturais, manipulando ou movendo certos elementos contidos
nos corpos, podem também alterar a imaginação e mesmo os sentidos das pessoas,
levando-as a perceber algo como real, quando na verdade não é. (Parte I, q.114,
art.4).
Essa
ilusão demoníaca também pode ocorrer quando, a partir do ar, o demônio forma um
corpo de qualquer forma e figura para aparecer visivelmente disfarçado. E o
anjo das trevas não só pode assumir uma falsa aparência, como pode ocultar
qualquer objeto corpóreo sob qualquer forma corpórea, de tal modo que não seja
visto (Op. cit.).
Ora, São
Paulo advertiu os cristãos de Corinto sobre o disfarce do diabo de “anjo da
luz”. Aquele que é treva se apresenta em forma disfarçada de luz, ocultando a
si mesmo e aos objetos.
Assim
compreendemos porque Nosso Senhor preveniu os homens contra os embustes do
demônio. Ele conhece bem esta criatura rebelada que, possuindo natureza
superior à dos homens, os enganaria com sua astúcia. Por isso instituiu a
Igreja, que pela luz da Fé, confirma a verdade e destrói as manobras mentirosas
do diabo.
Apesar
dos grandes poderes do diabo, suas falcatruas, embora prodigiosas, não resistem
ao brilho da verdade. Quem sabe, se o demônio não estivesse tão esquecido nos
seminários, nas Igrejas e até nos sermões clericais, o povo não seria tão
facilmente enganado pelas seduções milagreiras dos hereges, algumas vezes
auxiliados pelos anjos malignos.
A
religião relativizada, somada à extinção – ou corrupção – da instrução
religiosa nas paróquias, favoreceu essa busca por espetáculos sobrenaturais,
onde quer que aconteçam. Um simples “prodígio” já é suficiente para arrastar
multidões. Por desejo insaciável de milagres, desprezam as palavras que Nosso
Senhor dirigiu ao apóstolo incrédulo, porque exigiu provas de sua divindade: “Felizes
aqueles que creem sem ter visto” (S. João XX, 29).
É
verdade que para a rápida difusão e adesão ao Evangelho de Cristo, os milagres
foram abundantes nos primeiros séculos. Segundo explica São Gregório Magno,
isso foi necessário no começo da Igreja porque era preciso regar a semente da Fé
com milagres. Porém, observa este santo Papa e doutor da Igreja que, na medida
em que a “árvore” da fé está devidamente enraizada, tal como as plantas,
deixa-se de regá-la com a “água” dos milagres (Cf. Catena Áurea: Comentário ao
Evangelho de São Marcos XVI, 16-19).
Sobre
isso explica Santo Agostinho:
“A
Igreja católica, estando uma vez difundida e estabelecida por toda a terra,
aqueles milagres não foram mais consentidos ao nosso tempo. Isso para que o
nosso espírito não exija sempre coisas visíveis, e que o gênero humano não
se arrefeça pelo costume de se apoiar nesses bens, com cuja novidade se tinha
inflamado” (A Verdadeira Religião. 2ª ed.
São Paulo: Edições Paulinas, 1987, p.80, grifo nosso).
Embora
haja em Deus uma sapientíssima razão para esse arrefecimento dos milagres em
relação aos primeiros séculos, eles nunca deixaram de existir na Igreja
Católica, seja para confirmar sua doutrina e divindade, seja para confirmar a
santidade de alguns de seus membros.
Acontece
que, paralelamente, o diabo nunca deixou de tentar falsificar as obras de Deus.
Ele não só quer enganar com seus plágios mal feitos, mas também vulgarizar os
milagres divinos com seus prodígios, de modo a produzir, concomitantemente,
fanatismo e desprezo.
Como
sempre, quer enganar os católicos propondo falsos dilemas: ou se aceita tudo
como milagre ou os nega completamente. Os dois extremos são falsos e cooperam
para distorcer ou negar as maravilhas de Deus a fim de confundir as almas.
O diabo,
por mais poderoso que seja em relação aos homens, sempre deixa falha em suas
obras. Seus prodígios, ainda que fantásticos, nunca conseguem copiar
perfeitamente os milagres divinos. Somente Deus perfeito pode produzir milagres
perfeitos. Os anjos decaídos, apesar dos poderes que possuem, estão privados de
perfeição. Ademais, enquanto criaturas que são, situam-se infinitamente abaixo
de Deus.
Daí que,
mesmo tratando-se de um anjo, é possível distinguir os sinais das obras do
demônio se comparados aos das obras de Deus.
Em sua
Apologética Cristã, o Padre W. Devivier faz algumas importantes ponderações:
“Sejam
quais forem as faculdades naturais de que ele [o demônio] dispõe e de que na
sua queda não ficou despojado, é certo que este inimigo de Deus nada pode fazer
sem a permissão do soberano Senhor de todas as criaturas. Ora nunca a verdade,
bondade e santidade de Deus poderão permitir que este anjo rebelde imite as
divinas obras a ponto de invencivelmente induzir o homem ao erro e o levar
deste modo à eterna perdição. Dizemos invencivelmente, porque havendo Deus
feito o homem racional, não o dispensa do uso da razão para se garantir contra
as ilusões” (Pe. W. Devivier S.J.
Apologética Cristã. São Paulo: Editora-Proprietaria, 1924, p. 151).
Na
distinção de fatos miraculosos e prodígios diabólicos, deve-se levar em contra
três pontos, segundo orienta Santo Tomás: a pessoa que opera o milagre, a
intenção pela qual opera e a maneira como opera. Assim, as qualidades pouco
recomendáveis dos indivíduos de que se serve o diabo, a doutrina imoral que sustentam
e os procedimentos pouco dignos que os acompanham, são alguns sinais da
intervenção diabólica (op. cit.).
As obras
de Nosso Senhor possuem efeitos diametralmente opostos, pois que sempre
apresentam os sinais do poder divino, da simplicidade e da bondade. Nelas não
encontramos extravagância, nem ostentação ou intenção de espantar, além de
estarem sempre relacionadas com os ensinamentos dogmáticos e morais (op. cit.,
p. 152).
De todos
esses sinais reveladores da autoria divina nos milagres, a verdade é a
arma mais eficaz contra as falsificações do diabo. Jamais o pai da mentira fará
um prodígio para confirmar uma verdade de Deus. Seu invencível desejo é
precipitar as almas no inferno, induzindo-as ao pecado e aos erros contra a fé.
Podemos dizer então que, onde reina a verdade, não pode haver prodígio
diabólico destinado a confirmá-la. E, onde reina a mentira, não podem existir
os milagres que ratificam a ortodoxia e a autoridade.
Grande
parte do clero infelizmente aposentou a verdade. Depois do Vaticano II,
voltou-se para as coisas da terra, desprezando e até negando os tesouros do
Céu.
Privadas
do nobre alimento da verdade, as almas famintas partiram em busca das
novidades, encontrando na mentira o doce atrativo para saciá-las. Abandonadas
pelos pastores e vazias da verdade espiritual, não lhes restou alternativa
senão apegar-se aos sinais concretos. Diante da fome e da sede de verdade, os
prodígios lhes pareceram então como agradável consolo.
E,
quando já não se tem mais o pão da verdade, qualquer coisa parece verdadeira e
agradável. Até mesmo as seduções do diabo…
Quando
os pastores voltarem a ensinar, as trevas serão novamente desmascaradas. E o
que hoje se tornou obscuro pela ignorância e pela falta de virtude, tornar-se-á
claro pelo sol da verdade. É pelo anúncio da verdade revelada que as almas
serão libertas dos erros, das ilusões diabólicas e dos falsos milagres,
cumprindo assim o que disse Nosso Senhor:
“Conhecereis
a verdade e a verdade vos libertará” (S. João VIII, 32).
Conclusão: milagres apenas na Igreja Católica
Não
discutiremos as objeções racionalistas contra a realidade dos milagres. Como este
artigo se direciona àqueles que acreditam em sua possibilidade, limitamo-nos a
demonstrar unicamente que, por sua natureza e finalidade, apenas na Igreja de
Cristo eles se realizam.
Que
Nosso Senhor fez muitos milagres é fato indiscutível. Que Ele prometeu
testemunhar sua divina religião com fatos milagrosos, atestam-nos suas próprias
palavras. Disso se deduz que, para descobrir os verdadeiros milagres, requer-se
antes a identificação da verdadeira religião.
É um
erro, portanto, ignorar os princípios em favor dos milagres, tal como acontece
em nossos dias.
São
vários os caminhos que levam à origem divina da Igreja Católica. A perfeição de
sua doutrina, o heroísmo e a fidelidade de seus mártires, sua própria história
repleta de glórias contra os erros e as perseguições, sua sobrenatural
caridade, convertendo povos inteiros, mudando costumes e leis, promovendo o
progresso e a elevação cultural das nações, todos esses caminhos indicam a
santidade e a divindade da religião católica.
Poderíamos
provar a ligação existente entre a Igreja e seu divino fundador pelo estudo das
fontes cristãs. Examinado a Escritura Sagrada e os textos da Tradição,
enxergamos com inevitável clareza que a Igreja Católica é a Igreja de Nosso
Senhor. Somente ela recebeu de Cristo os poderes de ensinar, governar e
santificar. As seitas não passam de criações humanas, geradas no cisma e no
ódio à verdadeira religião.
A ação
da Igreja no mundo, transformando as sociedades de modo milagroso, constitui
outro terreno também indicador de sua divindade. Sendo fonte inesgotável de
virtudes, é a única sociedade perfeita edificada por Nosso Senhor. Do
contrário, não poderia ser causa de valores tão sublimes.
Desses
sinais característicos da verdadeira revelação, os santos padres preferiram
destacar o valor demonstrativo dos milagres e das profecias, tendo-os por
testemunhos irrecusáveis da divindade e santidade da Igreja. Nada se compara
aos milagres da Igreja Católica, cuja magnitude ultrapassa os limites da
capacidade humana e de toda a ordem da natureza criada.
Poderíamos
aduzir uma infinidade deles. Aqui citaremos apenas três, suficientes para
ridicularizar as miseráveis realizações dos hereges.
A
liquefação do sangue de São Januário, presenciada todos os anos com dia e hora
prevista pela multidão de fiéis de Nápoles, compõe a lista dos espetaculares
milagres, tesouros exclusivos da Igreja Católica.
Conservado
em estado sólido em uma pequena redoma de cristal, o sangue do santo mártir
volta ao seu estado líquido, quando exposto diante de sua cabeça, começando a
ferver e borbulhar, como se estivesse fresco e recém derramado.
Este
estupendo milagre, jamais interrompido, também sofreu os ataques racionalistas,
sempre empenhados em negar qualquer realidade milagrosa. Como sempre, apesar
dos esforços em contrário, o fenômeno permanece intacto ante a incredulidade
dos céticos.
Nem
mesmo nos ataques o diabo age com perfeição. Por mais sutis que sejam seus
argumentos, sucumbem diante das obras de Deus. Assim, como em outros numerosos
casos, nada resiste ao glorioso milagre de São Januário, sublime e desafiador
do racionalismo dos ateus.
Como os
demais, este milagre visa testemunhar a santidade do mártir e,
concomitantemente, a santidade e divindade da Igreja. Não há quem o explique
por meios naturais. Por sua grandeza e perfeição inexplicável, apresenta-se
definitivamente como mais um selo de Deus em favor de sua única religião
verdadeira.
Outro milagre, também magnífico pelas proporções, aconteceu em Fátima,
sob os olhares atentos de 70 mil pessoas. Conforme prometido pela Virgem Maria
aos três pastorinhos, no dia 13 de outubro de 1917 o sol literalmente “bailou”,
e após girar de modo enlouquecido, caiu em zigue-zague em direção à terra. O
fato foi testemunhado pela imprensa da época, a saber, o jornal “O Século”.
Esse
fenômeno extraordinário foge às leis físicas, emudecendo, pelo eloquente
espetáculo, as vozes ateias do mundo moderno. Não pode o diabo operar prodígio
tão estupendo. Por sua natureza finita, ele não pode suspender uma lei de Deus,
menos ainda para seu próprio benefício. E, de modo algum, eventos desse porte
poderão existir entre os hereges. O nível do milagre católico denota a
majestade da Igreja e a certeza de que somente nela Deus manifesta seu poder
sobrenatural.
Igualmente
surpreendentes são os corpos dos santos preservados da corrupção natural, após
muito tempo do falecimento. Assim que morre, o corpo humano entra em estado
gradativo de decomposição. No entanto, em casos particulares de intervenção
divina, essa lei universal não exerceu influência nos corpos de alguns santos,
permanecendo até hoje intactos.
Submetidos
ao exame da ciência, não há causa natural ou artificial que explique a
incorruptibilidade dos corpos. Por exemplo, o corpo de Santa Catarina de
Bolonha, falecida em 1463, portanto, há mais de 500 anos. Exalando perfume,
após seu sepultamento, seguido de muitos milagres, seu corpo foi examinado e
sua incorruptibilidade devidamente confirmada.
Muitos
outros corpos de santos foram maravilhosamente preservados da corrupção,
indubitavelmente por intervenção divina.
Nada se
compara a esses feitos milagrosos. Enquanto as seitas rivalizam entre si, oferecendo
curas e poções milagrosas, nenhuma delas ousa sequer reproduzir os fascinantes
milagres da Igreja Católica. Ou as seitas se contentam com seus falsos e
ridículos prodígios, ou são obrigadas a reverenciar os verdadeiros milagres que
testemunham, sem possibilidade de contestação, a santidade e divindade da
Igreja Católica.
Os
frutos das trevas não se comparam aos frutos da luz (Efésios V, 9).
E pelos
frutos, diz Nosso Senhor, se conhece a árvore…
In Corde Jesu, semper
Eder Silva