PERGUNTE e RESPONDEREMOS 033
– setembro 1960
Ressurreição
dos Mortos
SAGRADA ESCRITURA
P. S. S.
(Curitiba): «Como se explica o texto de São
Mateus 27,52s, que refere a ressurreição de defuntos no dia da morte do Senhor?
Quem eram esses ressuscitados? Morreram novamente? Terão subido ao céu em corpo
e alma com Jesus?»
A fim de facilitar a compreensão do texto, transcrevemo-lo dentro do respectivo contexto:
«No mesmo instante (em que Jesus morreu)... a terra
tremeu, as rochas se partiram, abriram-se os sepulcros e muitos corpos de
santos que tinham morrido ressuscitaram; saindo dos túmulos depois da
ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa, e apareceram a muitas pessoas»
(Mt 27,51-53).
O
sentido desta passagem deve ser elucidado por etapas.
1) Em primeiro
lugar, impõe-se a pergunta: quando se deu a ressurreição dos mortos de que fala
o Evangelista?
— Após uma primeira
leitura, dir-se-ia: ... na sexta-feira santa mesma, logo depois do terremoto.
Acontece, porém, que esses defuntos só saíram dos sepulcros dois dias mais
tarde, isto é, no domingo após a ressurreição de Cristo. Donde a dúvida: terão
então ficado vivos nos seus túmulos durante quarenta ou mais horas?
Isso seria pouco
provável; a Sabedoria Divina não terá ressuscitado mortos em vão, deixando-os
vivos e latentes durante dois dias no sepulcro. Por tal motivo os exegetas em
geral julgam que tanto a ressurreição dos justos como a sua saída dos sepulcros
e seu aparecimento na Cidade Santa se deram no domingo após a ressurreição do
Senhor Jesus. Este fica sendo, como São Paulo assevera, «o Primogênito dos
mortos» (Col 1,18) ou «as primícias dentre os mortos» (1 Cor 15,20); o que quer
dizer:... o Primeiro dos ressuscitados na ordem de coisas nova, cristã; a
ressurreição de Jesus, Cabeça do Corpo Místico, deve ter precedido a de qualquer
dos homens que imediatamente dela se beneficiaram.
É
possível, porém, que já na sexta-feira santa os sepulcros tenham sido abertos:
o terremoto então registrado haverá removido as respectivas pedras de ingresso.
Assim
sendo, verifica-se que São Mateus, conforme a sua índole muito sistemática, ao
referir os prodígios ocasionados pela morte de Cristo, quis logo mencionar a
ressurreição dos mortos que se deu no domingo. Trata-se de um proceder
estilístico que o leitor atento sabe descobrir e interpretar autenticamente,
como acabamos de fazer.
2) O Evangelista
visa inculcar verdadeira ressurreição dos mortos; em caso contrário, não teria
falado de abertura dos sepulcros, mas apenas de aparições dos defuntos na
Cidade Santa. Remova-se, portanto, a idéia de que as almas desses justos se
manifestaram por meio de figuras corpóreas meramente artificiais.
3) E porque terão
realmente ressuscitado tais defuntos? —Para dar aos vivos um testemunho muito
evidente da vitória de Jesus sobre a morte; constituíam como que o cortejo
solene do Triunfador da morte. Contribuíram assim para realçar a dignidade e a
glória de Cristo perante os habitantes de Jerusalém. — Desta observação se
seguem mais algumas importantes conclusões:
4) Os ressuscitados
deviam ser justos recém-falecidos (não eram pessoas de épocas remotas que os
contemporâneos de Jesus não pudessem reconhecer). Com efeito, para que a
ressurreição desses justos tivesse significado, era preciso que seus
concidadãos os houvessem conhecido em vida e pudessem atestar que de fato
tinham estado mortos.
5) A qualidade dos
corpos desses ressuscitados devia ser gloriosa, correspondente à que São Paulo
descreve em 1Cor
15,35-44. Não ressuscitaram, portanto, como
Lázaro, num corpo mortal; era, sim, consentâneo que tais justos, constituindo o
cortejo do Divino Salvador, tivessem corpo semelhante ao do Senhor
ressuscitado. É isto, aliás, o que insinua a expressão «apareceram a muitos na
Cidade Santa» utilizada pelo S. Evangelista: o verbo «aparecer» sugere um modo
de se tornar presente diverso do modo como habitualmente a matéria se nos torna
visível.
6) Por conseguinte,
é lógico dizer que os justos ressuscitados de Mt 27, 52 não voltaram ao sepulcro,
mas com Cristo subiram diretamente aos céus, em corpo e alma.
É
verdade que S. Agostinho (ep. 164,9) e exegetas posteriores julgam haverem tais
justos morrido de novo. Esta opinião porém não prevaleceu entre os
comentadores, sejam antigos, sejam recentes, os quais ponderam as seguintes
razões: os justos de Mt 27,52, tendo ressuscitado para dar testemunho da
ressurreição do Senhor, deviam estar plenamente configurados a Cristo; ora
Jesus, uma vez ressuscitado, já não morre. Ademais, se a Providência os tivesse
chamado à vida de novo para mais uma vez os fazer morrer, ter-lhes-ia com isto
infligido uma pena, e não um benefício — o que seria pouco condizente com a
Perfeição Divina.
S.
Agostinho apoiava sua tese de «condenação à morte» na proposição de Hebr 11,40,
segundo a qual os justos da Antiga Lei não devem atingir a sua consumação sem
nós, povo da Nova Lei (não se entenderia, portanto, que a ressurreição gloriosa
e definitiva já tivesse sido dada a santos do Antigo Testamento). A esta
dificuldade, porém replicar-se-á que a afirmação de Hebr 11 não exclui a
possibilidade de algumas poucas exceções, como terão sido as que Mt 27 insinua.
7) Fica aberta a
questão: onde estão localizados os corpos desses justos, dado que com Cristo
tenham subido aos céus no dia da Ascensão solene do Senhor? — Nada de preciso
nos diz a Revelação sobre o assunto, como já observamos em «P. R.» 27/1960,
qu. 3. As conjeturas seriam mais ou menos vãs.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)