O estado da Igreja no
Velho Mundo.
Por um seminarista
brasileiro na Europa.
Igreja abandonada na França.
O fruto dos vendavais semeados nas
décadas de 60 e 70 pelo clero francês e irrigados abundantemente pela
Conferência Episcopal Francesa está sendo amargamente colhido nesses últimos
anos pelo mesmo clero sob forma de uma desastrosa tempestade de baixa inédita
de vocações sacerdotais, extinção de conventos, mosteiros e seminários,
frequência mínima dos ofícios garantida pelos mesmos velhos fiéis que frequentavam
o catecismo infantil nas épocas de Pio XI e Pio XII, sem falar dos tantos
padres que deixam tudo e dos muitos outros que são convocados por Deus ao seu
tribunal.
Em maio de 2010, ouvi o bispo de
Chartres dizer que desde o início de seu episcopado naquela diocese, em 2006,
ele havia ordenado 4 sacerdotes e enterrado 29. A situação é realmente desoladora!
O historiador que se inclinar sobre esse período dentro de cem ou cento e cinquenta
anos talvez o fará tentando resolver uma questão: por que o clero, mesmo tendo
diante dos olhos a ruína do edifício da Fé e de tudo que fora solidamente
construído pela Igreja em dois mil anos de história, não mudou de direção e
insistiu e avançou orgulhosamente num caminho cujo fim era um precipício?
O desastre é tão grande e o estrago
feito por aqueles que deixaram de catequizar e transmitir o que a Igreja sempre
transmitiu é tão sério que alguns não acreditam na sua reversibilidade. Uma das
provas é a de que o episcopado francês trabalha há algum tempo com a
possibilidade, e em muitos casos mesmo com a realidade, de ter que adaptar
dioceses e províncias inteiras a subsistir com número reduzidíssimo de padres,
quer dizer: num futuro próximo, alguns poucos padres se encarregarão apenas de
celebrar algumas missas e enviar o Santíssimo Sacramento para as diversas
paróquias; já os fiéis leigos, ao menos os que sobrarem, se encarregarão de
todo o resto. Os bispos das dioceses que serão reduzidas umas às outras
delegarão quase todo o serviço aos leigos. Eis o motivo de sua preocupação
atual em formá-los, para que estes possam substituir o clero nas mais diversas
funções e sacramentos. Guardadas as devidas proporções, veremos um conjunto de
dioceses sem clero, mais ou menos como a federação protestante e suas milhares
de dissidências experimenta há uns quase 500 anos. Talvez quando chegarmos
nesse estado, compreenderemos o que quer realmente dizer a expressão ambígua « subsistit
in », da constituição dogmática Lumen Gentium. Veremos uma parte da Igreja que
apenas subsiste, sobrevive quase asfixiada.
É como se estivéssemos nos suicidando
para pôr Deus à prova e ver se Ele nos ressuscitaria depois. Isso é apenas uma
metáfora, uma ideia que revela algo não muito difícil de se constatar: o ato de
extremo orgulho e impiedade, como que um querer coagir Deus pela sua promessa
de misericórdia e de Eterna Aliança deixando que a Igreja se esmigalhe. Em
muitos casos, trata-se de uma concepção esquizofrênica segundo a qual o avançar
ou recuar da Igreja independe da ação do seu clero, mas varia segundo um
sentimento social comum. Desse modo o « ide e ensinai a todas as nações » é
posto na gaveta do politicamente incorreto e a transmissão da fé, dos
preceitos, dos valores fica a cargo do Espírito Santo, como se Ele agisse
magicamente. Estamos diante de uma nova face da religião completamente
desencarnada! Conheci freiras de alguns conventos moribundos cuja única
atividade era o auxílio aos maometanos imigrantes a bem se adaptarem do ponto
de vista administrativo, com vistos e documentos legais. Nem é preciso dizer
que elas jamais ousaram falar de Jesus Cristo àquelas muitas mulheres de burca.
Aliás, é impossível saber que as freiras são freiras sem perguntar.
Isso revela igualmente um outro grave
problema, o do relativismo e do indiferentismo religioso. Eles acreditam – e
isso revela realmente um fideísmo mais que cego – no ecumenismo com os
protestantes e no diálogo inter-religioso. Ora, para que haja um dialogo é
necessário que as duas partes partam de princípios filosófico-religiosos
comuns, com termos cabais por ambas aceitos. Só então se poderá estabelecer
realmente o que chamamos de diálogo, no qual a troca de idéias e julgamentos
permitirá uma conclusão amistosa e enriquecedora para todos no final. Sabemos
que isso não é mais possível nem mesmo dentro da nossa própria casa, a Santa
Igreja Católica. O que se vê comumente são monólogos proferidos num mesmo
recinto à guisa de diálogo: enquanto um fala do amor e da partilha e respeito
às consciências individuais, o outro discursa sobre a futura vinda de um
messias ou sobre a autenticidade das profecias de Maomé. Para uma grande parte
do clero, os ensinamentos marcados pela Igreja com o selo da verdade e incorruptibilidade,
o que com consistência pode alimentar a fé e o espírito de todo homem em todas
as épocas, não é mais admissível. Para essa mesma parte do clero, é como se o
homem tivesse evoluído demais para tolerar todo um conjunto doutrinário
obsoleto que não deixaria espaço para a expressão das liberdades individuais.
No entanto, o que vemos é que o homem contemporâneo, desamparado, parece ter
avançado tanto na busca de técnicas e idéias novas para descobrir o que ele é,
que se inclinou sobre si mesmo e já não vê nada além do seu próprio umbigo. O
hegelianismo, o existencialismo e a fenomenologia se imiscuíram de tal forma na
teologia e criaram uma Babel, onde tantos teólogos, reclamando o nome de
católicos, se arvoram em fundadores de uma concepção cristológico-sócio-humanista
da fé do apóstolo São Pedro. Variada e múltipla seja essa concepção, esses
teólogos católicos estão quase todos de acordo ao dizer que todas aquelas
interpretações são válidas; conclusão: cada um cria seu deus à sua própria
imagem. Depois esses mesmos teólogos se reúnem hipocritamente com « agentes de
pastorais » para tentar trazer esclarecimentos sobre o individualismo presente
na sociedade contemporânea e a implicação disso no domínio da fé, que fez da
prática religiosa algo subalterno e subjacente às culturas dos muitos grupos
que compõem a sociedade. O clero quis ser outra coisa abandonando sua
identidade e, hoje, o que vemos é uma humanidade que, privada de seus pastores
e do remédio espiritual que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou à Igreja, se
afunda mais e mais no abismo de suas patologias, evidenciando o pecado original
e deixando o mundo cada vez mais distante de um paraíso.
E o amado papa Bento XVI deixa o seu
pontificado tendo aberto o Ano da Fé. Que visão!
O que eu tenho observado na postura,
idéias e agir do clero francês é o sentimento de que a sociedade européia dita
católica chegou a um tal alto grau de esclarecimento de sua consciência, que
ela se permite e se concede, quando não se acha mesmo no dever, descer ao nível
de tudo o que não seja católico para « dialogar », para « partilhar », para « acolher
» o ponto de vista e o mundo de outrem, de quem quer que seja, o que quer que
seja. Entretanto, nessa postura é preciso sublinhar que o ato de descer só
pode traduzir, na verdade e em última análise, um orgulho tal e tal sentimento
de superioridade mascarados, que não se poderia não os classificar como
doentios. Mascarados porque eles se arrogam uma postura de humildade, mas o que
há realmente é o orgulho. Um orgulho que impulsiona ao extremo da temeridade.
Nem é preciso dizer que a essa altura a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo já foi
completamente desdenhada, espezinhada.
Eu conheci há poucos dias, num carmelo
no fundo do nordeste da França, num lugar afastado chamado La Fontaine-Olive,
uma carmelita parisiense de 85 anos. Era a imagem da desolação e do abandono
espiritual de muitos. Ela contou, tentando dissimular a tristeza, que passava
até quinze dias sem missa. Confissão então era coisa rara e quando tinha era um
diálogo « de cristão para cristã » com o padre que « vivia a eucaristia » no
seu carmelo semanalmente, sempre ocupado em reuniões filantrópicas em suas mui
numerosas paróquias (cada uma com meia dúzia de fiéis pingados, obviamente).
Olhando para aqueles cabelos brancos e aqueles olhos azuis tristes e rodeados
de rugas de sofrimento e desolação, jamais se diria que eles escondem pecado,
mas só Deus é quem conhece aquela alma desamparada. Quando eu deixei a velha
carmelita, chorei. A vida daquela mulher, que há mais de 60 anos escolheu
passar seus dias contemplando Jesus Cristo, é um fiasco espiritual! Claro que
depois de 15 dias sem missa, as carmelitas não podiam consumir a última hóstia
do cibório para guardar ao menos a presença real. Perguntei a Deus até quando Ele
vai nos deixar nessa situação… Precisamos de um Bento XVII, um papa que siga o
trabalho de Bento XVI pelo triunfo da Igreja e bem da humanidade, duas coisas
que não existem separadas.
Entre aqueles que sobreviveram ao
massacre da fé e mantiveram-se fiéis ao que a Igreja sempre foi e é, olhares
esperançosos se voltam para os institutos subordinados à Comissão Ecclesia Dei,
mas estes, mesmo jovens e aparentemente bem providos em número, têm uma
representação ínfima no contexto europeu. No seminário de Wigratzbad, da
Fraternidade Sacerdotal São Pedro, acham-se uns 80 seminaristas, todavia de
15 ou 16 nacionalidades. O seminário do Instituto do Bom Pastor, com seus mais
ou menos 25 seminaristas, tem uma maioria de brasileiros, quase todos
originários de São Paulo. Há padres de batina prontos para assumirem as
paróquias sem padre, mas os bispos não querem. Suas vidas resumiram-se em
aplicar o Vaticano II (muito longe do texto como é sabido), e agora que não
lhes resta muito tempo, veem que tudo foi um fiasco, mas não querem ceder: é o
orgulho derradeiro cujos efeitos ainda causarão estragos. Esses mesmos bispos
acreditam numa mudança a longo prazo, para eles o Vaticano II foi o fogo que
consumiu a velha fênix e agora a nova começa a ressurgir dentre as brasas sacudindo
as cinzas, mas para eles, que se desculpam diante de si mesmos, só será a fênix
em sua plenitude daqui algumas décadas ou século. Ora, isso é falso. Essa fênix
que é a Igreja ressurgiu das cinzas no Concílio de Nicéia, na Renascença
Carolíngia, na Reforma Gregoriana, no Sacrossanto Concílio Ecumênico de Trento,
sempre bela e imortal, jamais desfigurada. Há padres diocesanos com número
exorbitante de paróquias, outros saem do asilo de idosos para celebrar missas
de exéquias de vez em quando. Muito da atividade pastoral já é feito por
leigos. Mas os padres tradicionais, cheios de entusiasmo e juventude, são muito
dificilmente tolerados pelo clero diocesano. Eu imagino como pode ser
desconcertante e até doloroso para um bispo de 80 anos que usa terno e gravata
ver um seminarista de 20 em batina. Mas isso ainda é pouco diante do que há
para se fazer e não demonstra nada além de uma possibilidade de restauração; e
assim, poderíamos dizer que a Fênix, bem desmantelada como a constatamos, ainda
não se ateou – ao menos não nos últimos 50 anos – o verdadeiro Fogo que desceu
sobre os apóstolos a si mesma para ressurgir sempre bela e imortal.
Logo de sua eleição, quando o Cardeal
Ratzinger tomou para si o nome Bento, muitos disseram que era uma homenagem a
Bento XV, que teve um papel importante durante a I Guerra. Contudo, o nome
Bento nos remete sempre a São Bento de Núrsia, patrono principal da Europa, o
monge beneditino que através de seus milhares de filhos fundou os alicerces e
delineou o rosto da cristandade européia. Ora, Bento XVI conhecia muito bem o
estado de degradação da fé no velho continente, nesse caso a escolha do nome do
Patrono da Europa é mais que emblemático. Não que ele se voltasse apenas para
essa parte do mundo como seus detratores quiseram sugerir, mas porque sabe que
tendo a Europa levado a fé e parte de sua cultura ao mundo todo, tudo o que
acontece aqui repercute necessariamente nos outros cantos do planeta.
Pergunto-me o que aconteceria nos outros continentes se aqui, onde se situa a sacrossanta
cátedra de São Pedro, a fé naufragasse ?
O islã, sempre crescente, é a religião
mais praticada na França. Será normal uma cidade de 35 mil habitantes nos Alpes
franceses ter cinco mesquitas? E isso é apenas um exemplo muito genérico. Não
vou me alongar sobre o islã, cuja penetração na Europa é assunto mais que
conhecido.
Os bispos do Brasil de hoje, que nos
anos 60, 70 e mesmo 80 foram tolamente deslumbrados pelo clima de exacerbada
euforia da mudança na Europa, e que estudavam em seminários e universidades em
Roma, Paris e na Alemanha naquela época, precisam refletir e rezar bastante
para julgar se devem realmente continuar com seus projetos, normalmente
emprestados e adaptados das conferências episcopais do velho mundo, que poderão
resultar numa configuração bem semelhante à européia: um conjunto de dioceses
diminuído e decrépito que não sabe mais qual é seu verdadeiro rosto. Tal como
se nos dá a ver pelos atuais resultados, essa « evangelização » empreendida
pela CNBB há algumas décadas nos fará chegar ao mesmo estado constatado na
França, sobretudo no Benelux, na Inglaterra, na Alemanha (com exceção da marial
Baviera). Espanha e Itália não estão longe da catástrofe. A única mais ou menos
ilesa até agora é a Polônia, onde a fé católica se tornara parte da identidade
nacional durante o período de domínio soviético russo. Exemplo que não podemos
tomar para nós, visto que a fé católica já não faz mais ou muito pouco parte da
identidade nacional brasileira. Os dinossauros marxistas, como sempre, alegariam
que foram o desenvolvimento econômico e a riqueza da Europa os responsáveis por
sua apostasia (fala-se hoje de 90% de ateus na Europa), mas o que se nota é que
o problema vem da própria Igreja, independente da situação econômica dos
países. Creio desnecessário dizer que na Escandinávia, outrora da fé de Lutero,
o « cristianismo » é mais um folclore reservado à intimidade de cada um. Eis o
estado das coisas ao redor da Roma Eterna e da sede que está vaga desde as 20
horas do último dia 28. Calamidades às quais o sucessor de Bento XVI não poderá
se furtar.
No Brasil, a CNBB « está engajada e
caminhando lado a lado ». Já temos, no entanto, uma idéia da direção que segue
e aonde chegará!
Fonte: Fratres in Unum.com