PERGUNTE
E RESPONDEREMOS 006 - Junho 1958
O Pai Nosso dos Católicos e dos Protestantes
SAGRADA
ESCRITURA
O.H.:
“Por que é que o Pai Nosso rezado pelos
católicos não inclui a fórmula final: ‘Porque teu é o reino e o poder e a
glória para sempre. Amém’, fórmula encontrada na Bíblia dos protestantes (cf.
Mt 6,13)?”
“Também quisera saber por que os católicos interpelam
a Deus na segunda pessoa do plural (Vós), quando Jesus no Pai Nosso usou a
segunda pessoa do singular (Tu)? Não se distanciam da Bíblia?”
1.
Em primeiro lugar, deve-se observar que a fórmula é “Porque teu é o reino e o
poder e a glória para sempre. Amém” evidentemente não pertence ao teor original
de Mt 6,13 ou do Santo Evangelho, mas é acréscimo que os copistas fizeram ao
texto sagrado. Tal conclusão se deduz do exame dos códices e manuscritos mais
antigos dos Santos Evangelhos: os testemunhos mais fidedignos não contêm a
citada fórmula. Em consequência, os exegetas contemporâneos, tanto católicos
como protestantes, são unânimes em não a admitir nas edições gregas do texto de
São Mateus; para não citar outros nomes, lembramos aqui a edição do autor
protestante Eberhard Nestle («Novum testamentum graece et latine». Stuttgart,
Privilegierte Wuerttembergische Bibelanstalt), edição grega geralmente
reproduzida pela «British and Foreign Society» de Londres: neste texto-padrão,
verifica-se que é deixada de parte a cláusula hóti sou estin he basiléia kai he
dynamis kai he doxa eis tous aioõnas, amen. A
tradução portuguesa de Ferreira de Almeida ainda hoje reproduz a fórmula acima,
pois, tendo Almeida trabalhado no séc. XVII, quando os recursos de crítica do
texto ainda eram assaz exíguos, o tradutor julgava simplesmente que tais
palavras faziam parte do texto sagrado; hoje Ferreira de Almeida, desejoso como
era de reproduzir fielmente os dizeres do texto original, já não incluiria a
cláusula na sua tradução.
O
acréscimo se explica pelo uso da oração dominical na Liturgia: as preces
públicas costumavam (e ainda costumam) terminar por uma doxologia ou fórmula de
louvor, à semelhança do que se vê no epistolário de São Paulo, (por exemplo, em
Ef 3,20s; Rom 9,5; 11, 33-36; 2 Cor 9,15); também as homílias e os sermões dos
bispos e presbíteros na antiguidade se encerravam geralmente mediante tais
fórmulas. O acréscimo era plenamente justificado na Liturgia, pois inculcava a
finalidade suprema do culto sagrado, que é dar glória a Deus (ainda hoje todos
os salmos da oração oficial da Igreja se terminam por um «Glória ao Pai»). O
uso litúrgico, porém, induziu (erroneamente) alguns copistas a inserir no
próprio texto da Bíblia a fórmula de doxologia.
Tendo-se
em vista estes precedentes, não se hesitará em cancelar das edições, tanto
gregas como vernáculas, do Novo Testamento a mencionada cláusula.
2.
Quanto ao tratamento atribuído ao Pai do céu na oração dominical, observar-se-á
o seguinte: o texto grego dessa prece usa a segunda pessoa do singular, porque
tal era a única fórmula para interpelar alguém (mesmo a Divindade) na linguagem
grega. Em português a situação é outra ; há escolha entre Tu e Vós, sendo que o pronome Tu significa tratamento
familiar, muito íntimo, enquanto Vós representa tratamento mais solene e
majestoso. Pois bem; a tradição cristã entre nós (ao menos no Pai Nosso)
habituou-se a interpelar a Deus mediante o Vós, entendendo com isso exprimir em
grau máximo o respeito e a dedicação devidos ao Pai do céu, respeito e
dedicação que o Tu grego expressava claramente, mas que o Tu português talvez
desfigurasse um pouco. Ao lado desta razão em favor de Vós, poder-se-ia também
indicar uma justificativa para o tratamento Tu: seria o desejo de professar,
com toda a nitidez, intimidade e sentimentos filiais para com o Pai do Céu,
sentimentos filiais que o Tu melhor reproduz do que o Vós.
Em
última análise, vê-se que uma e outra fórmula são plenamente legítimas; pelo
que os católicos não teriam dificuldade em dizer Tu a Deus onde hoje se costuma
dizer Vós, desde que a mudança se tornasse conveniente.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)