PERGUNTE
E RESPONDEREMOS -001 / dezembro 1957
O Hipnotismo
MARIA CLÁUDIA (Rio de Janeiro): "O hipnotismo pode acarretar algum mal? Será lícito ao
cristão deixar-se hipnotizar frequentemente pela mesma pessoa?"
A hipnose é um estado de sono em que o paciente fica sujeito às sugestões ou à
vontade de um operador (podendo perdurar a influência deste mesmo depois de
cessado o transe). Em estado de hipnose, portanto, o indivíduo perde a sua
personalidade em grau maior ou menor, pois é, até certo ponto, destituído da
sua faculdade de raciocinar e da sua vontade própria. Em tais circunstâncias,
arrisca-se a cometer atos que não cometeria em estado de lucidez. Tem sido
muito debatida a questão: será que o hipnotizador possui poder sugestivo
necessário para obrigar o paciente a realizar até mesmo ações que contrariem a
sua consciência?
O Dr. Júlio Camino (Como
se hipnotiza,
Madrid), médico que tem a experiência de milhares de casos de hipnotismo,
afirma categoricamente que o hipnotizador pode induzir o paciente a crimes
gravíssimos. Cita, por exemplo, o caso de uma senhora hipnotizada a quem ele sugeriu
que no dia seguinte envenenasse toda
a sua família, lançando na respectiva
comida um pó que o hipnotizador lhe consignou (e que naturalmente era
inofensivo). Pois bem, chegada a hora prevista, a senhora, já liberta da
hipnose, julgando que ninguém a via, atirou nos alimentos de seus familiares o
presumido veneno; entrementes os interessados e o médico às ocultas a espreitavam!
— Não todos os autores são do parecer do Dr. Camino; há quem assegure que o
conflito psíquico provocado no paciente por uma ordem imoral pede chegar a
despertá-lo do sono hipnótico. Contudo a tese de Camino parece demais
comprovada pelos fatos para que dela se possa duvidar.
Além disso, sabe-se que a hipnose tem consequências
psíquicas e físicas daninhas para o paciente: pode deformar-lhe a personalidade,
reduzir-lhe a liberdade de arbítrio, excitar-lhe paixões para com o
hipnotizador, assim como influir nocivamente sobre o coração e as grandes
artérias do organismo.
Tais efeitos justificam as graves
restrições que a Moral cristã faz ao uso da hipnose. Não é lícito ao homem
alheiar-se à sua responsabilidade e colocar-se abaixo do nível da moralidade,
pois Deus tendo feito o homem animal racional, deseja que ele proceda como ser
racional e consciente. Sem razões imperiosas não se justifica que alguém se
arrisque a cometer atos degradantes ou a servir aos interesses pecaminosos de
outrem, manifestando segredos, revelando nomes que deveriam ficar ocultos, etc.
A consciência cristã veda, por conseguinte,
a hipnotização praticada a título de mero divertimento. Não se lhe opõe, porém,
desde que se tenha em mira curar ou aliviar um caso patológico, como a alucinação,
a loucura, a insônia, a neurastenia, as dores resultantes de intervenção
cirúrgica.
Em tais
casos, devidamente diagnosticados, o cuidado do hipnotizar só poderá ser
confiado a médico perito, comprovadamente honesto, que trabalhe em presença de
testemunhas moralmente idôneas e com o consentimento do paciente ou de seus
responsáveis.
A liceidade da hipnotização nessas
circunstâncias reconhecida por declarações do Santo Ofício promulgadas em 1840,
1847 e 1899, as quais ao mesmo tempo não deixavam de chamar a atenção para os
perigos da dita praxe. O Santo Padre Pio XII, aos 24 de fevereiro de 1957, num
discurso dirigido a médicos, pronunciou-se sobre a anestesia em geral,
considerando explicitamente a hipnose; eis um dos trechos que aqui nos
interessam:
"Pretendo-se
obter uma baixa da consciência e, por meio dela, das faculdades superiores, de
maneira que se paralisem os mecanismos psíquicos de domínio utilizados
constantemente pelo homem para .se governar e dirigir; este abandona-se então
sem resistência ao jogo das associações de idéias, dos sentimentos e impulsos
volitivos. Os perigos de tal estado são evidentes: pode acontecer que se libertem
assim impulsos instintivos imorais... Suspender os dispositivos de domínio
torna-se especialmente perigoso, quando se chega a provocar a revelação dos
segredos da vida privada, pessoal ou familiar, e da vida social... Há certos segredos
que se não devem revelar a ninguém, nem sequer, como diz uma fórmula técnica,
uns viro prudenti o! silentii teraci!... Por isto não se pode deixar de aprovar
o uso de narcóticos na medicação pré-operatória, para evitar tais inconvenientes...
Não queremos que se
estenda pura e simplesmente à hipnose em. geral o que dizemos da hipnose a
serviço do médico. Com efeito, esta, como objeto de investigação científica,
não pode ser estudada por quem quer que seja, mas só por um sábio sério e
dentro dos limites morais que valem para toda atividade científica. Não é este
o caso de qualquer círculo de leigos ou eclesiásticos que a praticassem como
coisa interessante, a título de pura experiência ou mesmo por simples passatempo"
(texto transcrito da "Revista Eclesiástica Brasileira'' XVII [1957] 477s).
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)