PERGUNTE E RESPONDEREMOS
-001 / dezembro 1957
O
fruto da videira
ANGLO-AMERICANO
(Rio de Janeiro): "Queira explicar o
texto de Lc 22,18, em que Jesus diz que não beberá mais do fruto da videira
antes que tenha vindo o Reino de Deus".
Antes do mais, eis na íntegra o texto e o
contexto de que se trata:
22,14 "Chegada
a hora, pôs-se (Jesus) à mesa com os Apóstolos, 15 a lhes disso: "Desejei
ardentemente comor esta Páscoa convosco antes de sofrer, 16 porque afirmo que
não mais a comerei até que se cumpra no Reino de Deus".
17 Tomando então um
cálice, deu graças e disse: "Tomai-o e distribuí-o entre vós. 18 pois vos
digo, não mais beberei do fruto da vinha, até que tenha vindo o Reino de
Deus".
19 Depois, tomando
o pão e dando graças. Partiu-o e deu-o, dizendo- -lhe: "Isto é o meu
corpo, que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim".
20 Fez o
mesmo com o cálice, no fim da cela. dizendo: "Este cálice é a Nova Aliança no
meu sangue, que será derramado por vós".
Analisemos sumariamente o trecho acima.
No v. 15 exprime Jesus o seu vivo desejo de
comer com os discípulos a sua última ceia de Páscoa, tal como era prescrita
pela Lei de Moisés; por ocasião dessa refeição, o Divino Mestre tinha em vista
instituir grandes coisas.
No v. 16 diz Jesus que não mais comerá
dessa ceia "até que se cumpra no Reino de Deus". Considera assim o
rito mosaico como figura de uma realidade maior, plena, que é a ceia do
Reino
de Deus. Esta se realiza em
duas etapas...
de modo
incoativo na Eucaristia, refeição sobrenatural da Igreja, do Reino de Deus
iniciado na terra;... de modo perfeito, na pátria celeste, na visão beatífica
(Reino de Deus Consumado), que Jesus em suas parábolas não raro compara a uma
grande ceia (cf. Mt 8,11; 22,1-14; Lc 13,15-24).
Depois destas premissas, os vv. 17 e 18
supõem a observância do ritual judaico, e aludem a um dos quatro cálices de
vinho que o presidente da mesa devia distribuir aos seus convivas, dando previamente
graças a Javé por ter libertado da servidão do Egito o seu povo.
Reconhecidamente, não se trata de vinho eucarístico (faltam as palavras da
consagração). Com referência particular a esse cálice judaico, afirma o Senhor
que é figura de uma realidade que estará consumada no Reino de Deus, isto é
(como acima dito), na Igreja... na Igreja militante e peregrina, mediante a
Eucaristia;... na Igreja triunfante, mediante a visão beatífica. Como se
entende, Jesus é conviva da ceia eucarística e da "ceia celeste"
unicamente por metáfora: o Cristo glorioso não come nem bebe, mas se entrega
aos seus fiéis em união íntima.
De resto, assim como os vv. 17 e 18 aludem
particularmente ao vinho ritual judaico, pode-se crer que os vv. 15 e 16 se
referem de maneira especial ao cordeiro judaico.
Pois bem; aos símbolos o Senhor opõe, logo
a seguir, a realidade simbolizada: paralelamente aos vv. 15 e 16 vem o v. 19,
segundo o qual Jesus entrega o pão eucarístico como sendo a sua carne imolada,
a carne do verdadeiro Cordeiro que tira os pecados do mundo; paralelamente aos
vv. 17 e 18 está o v. 20, em que Jesus distribui o vinho eucarístico como sendo
o seu sangue derramado para selar nova Aliança, da qual a aliança mosaica era
mero prenúncio.
Note-se agora a estrutura da passagem,
tecida pelo paralelismo dos versículos:
vv. 15 e 16 (cordeiro ‘tipo’) à
v. 19 (cordeiro ‘antítipo’)
vv. 17 e 18 (cálice ‘tipo’) à
v.20 (cálice ‘antítipo’)
Destarte São Lucas nos referiu a
instituição da S. Eucaristia colocando-a plenamente sobre o seu fundo mosaico e
fazendo ressaltar o seu caráter de consumação de realidades alegóricas antigas,
São Mateus (26,20) e São Marcos (14,25) só depois das palavras da consagração
(e não antes, como faz São Lucas) referiram a alusão ao "reino de Deus no
qual Jesus beberia de um vinho novo". A ordem observada pelo terceiro
Evangelista parece corresponder melhor à série dos acontecimentos verificados
na última ceia; Mt e Mc neste ponto são sumários e menos cronológicos.
Dom Estêvão
Bettencourt (OSB)