PERGUNTE E RESPONDEREMOS
-001 / dezembro 1957
O
que Jesus foi fazer no inferno?
DOGMÁTICA
RUBEM (Rio de
Janeiro): "Não terá sido erro de Jesus
oferecer o paraíso ao bom ladrão no mesmo dia em que o próprio Jesus ia morrer
para descer aos infernos e lá passar três dias? E, se Cristo desceu aos
infernos, não haverá salvação no inferno?"
As dificuldades acima se resolvem distinguindo-se
as duas acepções do termo "inferno" na linguagem cristã corrente.
"Inferno" vem do latim
"infernus", adjetivo derivado de "infra", abaixo.
Designando o "lugar situado infra
ou debaixo", a palavra entrou no vocabulário dos cristãos com os seguintes
matizes:
1) "Infernus" pode equivaler ao termo
hebraico "sheol". Este designava, segundo as concepções dos antigos
judeus, um lugar subterrâneo para onde iam promiscuamente as almas de todos os
defuntos, bons e maus. A teologia judaica, nas proximidades da era cristã,
distinguia no "sheol" diversas regiões, entre as quais a dos “pecadores
réprobos” (cf. Jud
6) e a dos justos também chamada "seio de Abraão" (cf. Lc
16,22), "Paraíso ou novo Éden" (cf. Lc
23,43), "tesouro das almas" (cf. 1
Sam 25,29), região situada "sob o trono de Deus" (cf. Apc
6,9; vejam-se outrossim Sab
3,1-5-10; 2
Mac 15, 12-15). — Os judeus tinham consciência de que não era possível
passar de uma dessas regiões para outra (cf. Lc
16,26).
2) A Revelação do Novo Testamento distingue
com mais clareza a sorte póstuma dos justos e a dos pecadores. Àqueles é
atribuído o "céu", a bem-aventurança celeste, ao passo que o termo
"inferno" (correspondente a "sheol") fica reservado para
designar o estado dos réprobos (já era esta, aliás, a tendência dos rabinos
contemporâneos a Cristo). Note-se, porém, que os conceitos cristãos de
bem-aventurança celeste e inferno não estão presos a alguma topografia;
designam primariamente um estado de alma, independente de determinada
localização geográfica (não se queira elucubrar a geografia do Além).
Sendo assim, quando se diz que Cristo
desceu aos infernos no tríduo após a sua morte (cf. 1
Pdr 3,19), entende-se que a sua alma santíssima se manifestou aos justos do
Antigo Testamento que no "sheol" (seio de Abraão) aguardavam a
Redenção; o Salvador lhes anunciou que esta já se dera e, por conseguinte,
poderiam gozar da visão de Deus na bem-aventurança celeste. — Manifestando-se
aos fiéis, o Senhor não apareceu aos réprobos, pois tal manifestação carecia de
razão de ser; não há possibilidade de conversão após esta vida (cf, "PeR"
3/1957, qu, 5).
Vê-se, pois, que, quando se fala da descida
de Jesus aos infernos, este último termo é tomado em sua acepção vétero-testamentária
(a primeira acima exposta). Quanto ao vocábulo "descida", tem sentido
metafórico, derivado da maneira de falar popular dos hebreus; não se poderia
afirmar que a alma de Jesus se tenha deslocado para regiões subterrâneas.
Costuma-se dizer equivalentemente que "Jesus desceu ao limbo dos
Pais"; "limbo" (de "limbus", orla em latim) seria a
parte superior das regiões subterrâneas, a menos distanciada do céu. Este
"limbo dos Pais", mansão provisória, deixou de existir, como se
compreende, desde que os justos do Antigo Testamento receberam a
bem-aventurança eterna. Hoje em dia os teólogos falam do "limbo" em
outra acepção, ou seja, para designar o estado póstumo das crianças que morrem
sem batismo.
Prometendo ao bom ladrão o paraíso para o
mesmo dia, Jesus não queria dizer que este justo arrependido O precederia na
bem-aventurança celeste; à santíssima humanidade de Cristo ressuscitado devia,
sem dúvida, tocar a primazia da entrada nos céus. Cristo, porém, dava certeza
ao bom ladrão de que, logo após a morte de cruz, a sua alma estaria com a de
Cristo, indo com esta ao "seio de Abraão" ou ao paraíso (conforme a
terminologia dos judeus) ou ainda à mansão dos justos defuntos da Antigo
Testamento, a fim de aguardar a ressurreição do Senhor e a entrada na visão de
Deus. O simples fato, porém, de estar inseparàvelmente associada a Jesus já
acarretaria suma felicidade para o pecador agraciado: "Estar com Cristo é
viver; por isso, onde se acha Cristo, aí se acha a vida, aí se acha o reino. —
Vita est enim esse cum Christo; ideo ubi Chrístus, ibi vita, ibi regnum" (S.
Ambrósio, Com. in Lc, ed. Migne 15,1834).
Sobre as noções
acima, veja-se E. Bettencourt, "A vida que começa com a morte". 2ª ed.
AGIR. Rio de Janeiro 1958,
cap Xll par.2; “Para entender o Antigo Testamento"- ibd. 1956. 190s.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)