A Indissolubilidade do Matrimônio
Gn
2,18-24
Sl
127
Hb
2,9-11
Mc
10,2-16
Neste
domingo (10/out/2012), a Palavra de Deus trata do matrimônio e de sua
indissolubilidade. Eis aqui um tema que se tornou tabu nos tempos atuais e, por
isso mesmo, precisa ser tratado com toda clareza pelos cristãos… Afinal, se o
Evangelho não for sal e luz, para que serve?
Comecemos com o plano de Deus, descrito no Gênesis de modo figurado, como as parábolas que Jesus contava. São textos
que não devem ser tomados ao pé da letra! Se lermos com atenção, perceberemos
algo muito belo: Deus, à medida que vai criando, vê que tudo é bom… Ao criar o
ser humano, vê que “era muito bom” (Gn 1,31). Mas, há algo na criação que o
Senhor Deus viu que não era bom: “Não é bom que o homem esteja só”. Se o ser
humano é imagem do Deus-Trindade, ele não foi criado para a solidão, mas deve
viver em relação com outros: “Vou dar-lhe uma auxiliar que lhe seja
semelhante”. Notemos os detalhes tão belos da criação da mulher: (1) “O Senhor
Deus fez cair um sono profundo sobre Adão”. Por quê? Para ficar claro que o
homem não participou da criação da mulher; esta é tão obra de Deus quanto
aquele. (2) “Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Da costela
tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher”. A imagem é bela: tirada do lado
do homem, como companheira e igual! (3) “E Adão exclamou: ‘Desta vez sim, é
osso de meus ossos e carne da minha carne!’” É a primeira vez que o homem
falou, na Bíblia! E sua palavra foi uma declaração de amor… não a Deus, mas à
mulher que o Senhor Deus lhe dera de presente: osso de meus ossos, carne de
minha carne… parte de mim, cara metade, outro lado do meu coração! E,
finalmente, o preceito de Deus, inscrito no íntimo do coração humano pelo
próprio Criador: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e
eles serão uma só carne”. Pronto! Esta é o sonho de Deus para o amor humano!
Já
aqui há três observações a serem feitas: (a) o laço de amor entre o homem e a
mulher é superior a qualquer outro laço, inclusive aquele que liga pais e
filhos: o homem e a mulher deixarão pai e mãe para ir ao encontro de sua
esposa, de seu esposo. (b) Esta união, no sonho original de Deus, envolve a
pessoa toda, corpo e alma: “serão uma só carne”! É uma união completa,
abrangente, total: serão um só coração, um só sonho, uma só conta bancária, uma
só casa, um só futuro, um só destino! (c) A relação matrimonial, no sonho de
Deus, é uma relação entre um homem e uma mulher. Por isso mesmo, jamais os
cristãos poderão equiparar a união entre homossexuais ao matrimônio! O respeito
às pessoas homossexuais é dever de todos nós; o respeito pela consciência
dessas pessoas, que têm o direito de dar o rumo que acharem justo às suas
vidas, é obrigação nossa, é gesto de amor que Jesus espera de seus discípulos.
Mas, equiparar a relação matrimonial a qualquer outra relação afetiva, sobretudo
homossexual, nunca! Por fidelidade a Cristo, nunca! Por respeito ao plano de
Deus, jamais! Hoje, no Direito, há uma forte corrente aqui no Brasil, que
considera como sendo família qualquer união simplesmente afetiva: não importa
se a união é entre marido e mulher, entre amigos ou entre duas pessoas do mesmo
sexo. Para nós cristãos, tal concepção é inaceitável! A família, para nós, não
é uma realidade simplesmente natural, mas tem sua raiz no próprio plano de
Deus. A família é uma realidade também teológica! É preciso escutar o que Deus
tem a dizer sobre a família! O problema é que nossa sociedade já não é cristã;
é pagã e pensa e age como pagã; é ateia e age como se Deus não existisse… Nossa
sociedade acha que o homem é a medida de todas as coisas, o senhor do bem e do
mal, do certo e do errado. Isso é absolutamente inaceitável para o cristão!
Agora
podemos compreender a palavra de Jesus no Evangelho! Naquele tempo havia o
divórcio… E Jesus, que é tão misericordioso, condena sua prática: “Foi por causa
da dureza do vosso coração que Moisés” permitiu o divórcio! “No entanto, no
princípio da criação Deus os fez homem e mulher… Já não são dois, mas uma só
carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” É uma palavra que parece
dura, e os próprios discípulos tiveram dificuldades em compreender… como
muitíssimos a têm hoje em dia. Compreendamos! Jesus veio para reconduzir este
mundo ferido pelo pecado ao plano original de Deus. Ora, o sonho de Deus para o
amor conjugal é que ele seja uma entrega total e plena, no amor indissolúvel,
fiel e fecundo. Este é o ideal que Jesus aponta aos seus discípulos! Na
perspectiva de Jesus, o divórcio é contrário ao plano de Deus para o amor
humano! Por isso mesmo, o matrimônio abraçado por um cristão e uma cristã, no
Senhor Jesus, é indissolúvel! Aqui é preciso deixar claro que a Igreja não tem
autoridade para ensinar ou fazer diferente! Seria trair o Senhor! Surgem, no
entanto, algumas questões sérias e graves:
(1)
Como prometer amor por toda a vida, se nosso coração é inconstante?
Primeiramente é necessário recordar que o matrimônio cristão somente pode ser
abraçado na fé, sabendo os esposos que jamais a graça de Cristo lhes faltará.
Com toda certeza, o Senhor haverá de conduzir os esposos no caminho do amor.
Isto, no entanto, de modo algum, dispensa os esposos de cultivarem esse amor,
com o diálogo, os gestos de carinho e de perdão, de compreensão e de atenção.
Amor não é só sentimento: o amor não nasce de repente, não é fatal, não é cego,
nem morre de repente. O amor pode e deve ser cultivado, cuidado. Como dizia São
João da Cruz: “Onde não há amor, semeia amor e colherás amor”. A grande ilusão
do mundo atual é pensar que o amor se reduz a sentimento, que não precisa ser
cuidado nem cultivado! Confunde-se amor com paixão!
(2)
Como fazer uma aliança para sempre, se esta depende não só de mim, mas também
da outra pessoa? A questão é séria e, para nós, cristãos, deve ser pensada na
fé. O matrimônio entre cristãos é sinal, é sacramento, do amor entre Cristo e a
Igreja. São Paulo explica este mistério de modo belíssimo no capítulo quinto da
Carta aos Efésios: marido e mulher devem se amar como Cristo e a Igreja (cf. Ef
5,21-32). Ora, este amor foi selado na cruz e na ressurreição; é amor pascal,
amor que envolve morte e vida! A indissolubilidade não deveria ser vista como
um fardo, mas como uma proposta de um Deus que crê no homem que criou; um Deus
que nunca brinca com o amor, um Deus que aposta na nossa capacidade, quando
aberta à sua graça! Ora, este amor-doação matrimonial, imagem daquele outro,
entre Cristo e a Igreja, certamente terá a marca da cruz. As dificuldades
conjugais, para o cristão, têm o nome de cruz, cruz que, assumida com amor e
por amor, é transformada em alegria e plenitude de ressurreição. Aqui não se trata
somente de palavras bonitas, mas de uma realidade impressionante: quem
capitula, quem desiste ante as dificuldades, nunca plantará um amor no sentido
cristão! A presença de Cristo na união conjugal não exclui as crises, as
dificuldades, a incompatibilidade de temperamentos e até mesmo os erros na
escolha do cônjuge! Mas tudo isso, por quanto doloroso possa ser, pode se
tornar, em Cristo, um modo libertador e eficaz de participar com generosidade e
desapego da cruz do Senhor e caminho de felicidade! “Loucura! Insanidade!
Demência!” – dirá o mundo! Mas, a linguagem da cruz é loucura para o mundo! A
sabedoria da cruz é tolice para o mundo! Nunca esqueçamos isso! Mas, para quem
crê, é poder de Deus e sabedoria de Deus! (cf. 1Cor 1,18; 3,18-20). O problema é
que as pessoas casam como os cristãos, mas não crêem nem vivem como os
cristãos! Que fique bem assentado: o sonho de Deus em Cristo para o matrimônio
é a indissolubilidade!
(3) E
os nossos irmãos e irmãs que fracassaram na aliança conjugal e estão numa nova
união? É uma situação dolorosa. Se são cristãos de verdade, a coisa é
primeiramente difícil para eles. Não nos compete julgar suas intenções e sua
história! Compete-nos respeitá-los e acolhê-los com espírito fraterno,
ajudando-os a viver esta nova união do melhor modo possível. Isto, no entanto,
não significa aprovação da separação nem da nova união. Mas, simplesmente,
respeito pela história, pela consciência e pelo mistério da vida e das opções
de cada irmão e de cada irmã. Mesmo porque, quem estiver sem pecado, que atire
a primeira pedra. Cuidado, irmãos: não coloquemos fardos na vida dos outros!
Que o
Senhor socorra as famílias e fortaleça no amor os esposos cristãos, fazendo-os
simples como as crianças, capazes de acolher a proposta do Cristo para o matrimônio
e que, nas dificuldades, recordem-se que Cristo, autor da nossa salvação,
também foi levado à consumação passando pelos sofrimentos. Que nossos
sofrimentos, unidos aos dele, sejam semente e penhor de vida eterna. Amém.
D. Henrique Soares da Costa