PERGUNTE
E RESPONDEREMOS 385/junho 1994
Santos
e Místicos
Locuções interiores
A
VERDADEIRA VIDA EM
DEUS
por
Vassula Ryden
Em
síntese: Vassula Ryden é uma cristã ortodoxa,
não católica, nascida em 1942 no
Egito. Casou-se em 1966
com um cristão luterano, do qual se divorciou
em 1980, para casar-se
com outro cristão luterano em 1981
primeiramente no foro civil apenas, em 1990
também no foro religioso da Comunhão Ortodoxa
(não católica). Viajou por vários países da Europa, da Ásia, da África e da
América, levando vida mundana como pintora, manequim, campeã de tênis.
De 1955 a
1985 nunca freqüentou
a igreja a não ser por motivos sociais
(casamentos, funerais. . .). Finalmente
em 1985 foi tocada por
seu anjo-da-guarda, que lhe fez ver seus pecados como motivo de profundo
arrependimento. Três meses depois, ou seja, em fevereiro de 1986,
Vassula começou a ouvir Jesus em seu íntimo,
ao mesmo tempo que Jesus movia sua mão para escrever o que Ele dizia. As
mensagens assim captadas preenchem cinco volumes impressos. Nada de
decisivamente negativo aí se encontra do ponto de vista da fé, de modo que é
lícito a um fiel católico aceitar as revelações feitas a Vassula. Todavia, há
motivos para hesitar no tocante à genuidade das mesmas, entre os quais está o
fato mesmo de serem revelações particulares de longa duração, cujos dizeres
poderiam ser teologicamente mais corretos.
=-=-=
Têm-se
propagado os cinco volumes de revelações
particulares ou locuções interiores de Jesus à Sra. Vassula Ryden, volumes cujo
título é "A verdadeira Vida em Deus".([1]) Por meio de Vassula,
Jesus exorta os cristãos à união entre si, à renovação da piedade, à devoção ao
Sagrado Coração de Jesus. . ., de
modo a impressionar muitos leitores. Ao lado de numerosos testemunhos de
sacerdotes e teólogos favoráveis à autenticidade de tais revelações,
outros há que a põem sabiamente em dúvida. — Vamos, pois, analisar a questão
nas páginas subseqüentes.
1.
QUEM É VASSULA RYDEN?
Eis
o que se pode extrair dos dados biográficos contidos nos volumes em pauta.
Vassula
nasceu no Egito, de pais gregos, no dia 18/01/1942. Casou-se em novembro de
1966 na igreja ortodoxa ([2])
de Lausanne (Suíça)
com um sueco luterano, do qual se divorciou em 26/11/1980. Em 1981 voltou a
casar-se, somente no foro civil (desta vez), com o sueco Per Ryden,
também ele luterano.
Vassula,
não sendo religiosa convicta, ignorava o Credo; acreditava sinceramente estar
legitimamente casada em segundas núpcias. Eis,
porém, que se converteu à vida de fé convicta em 1985; foi então que começou a
se inquietar pelo fato de não se ter casado no foro religioso. A conselho de um
sacerdote católico, do qual era dirigida, realizou o seu segundo casamento na
igreja ortodoxa de Lausanne aos 31/10/1990. Vassula permanece ortodoxa, não
católica, como ela mesma afirma:
"Eu,
ortodoxa, vivo a união. Eu serei sempre ortodoxa, porque o batismo é válido.
Tudo aquilo em que nós acreditamos é válido. Por conseguinte, não há razão
alguma para que me torne católica; creio que iria desagradar a Jesus o mudar
por mudar. O que Ele quer é a união pelo coração. A nova Igreja que Ele quer
unida é unida pelo coração. No domingo vou à igreja ortodoxa de rito bizantino,
e nos outros dias vou às igrejas católicas. Não me sinto diferenciada; adoro o
mesmo Jesus Cristo. Jesus guia-me e jamais pôs objeção alguma à minha forma de
proceder.
Já
vos interrogastes, porventura,
sobre o motivo pelo qual Jesus não se serviu de uma católica para revelar uma
tal Mensagem, e justamente quando Ele mesmo se apresenta como sendo o Sagrado
Coração? Ora, porque se quis servir de uma ortodoxa, que nada conhece, Ele
mesmo a forma como deseja, em terminologia católica. É precisamente para
demonstrar que não há diferença alguma.
Sim,
a união far-se-á pelo coração. Nossa Senhora disse-o também em Medjugorje. E recentemente
voltei a encontrar-me com Mirna de Soufanich; ficamos
espantadas ao verificar a que ponto as mensagens que recebemos parte a parte
são idênticas" (vol. I, pp. 138s).
Estas
declarações são altamente significativas e, de certo modo, comprometedoras em
sentido negativo. A profissão de fé dos ortodoxos difere da dos católicos.
Após
o seu primeiro casamento, Vassula viajou com o marido (que era funcionário da
FAO) por alguns continentes: passou dezesseis anos
na África (Serra Leoa, Etiópia, Sudão, Moçambique, Lesotho), esteve na Ásia
(Bangladesh) alguns anos, além de ter domicílios provisórios na Europa e na
América do Norte. Tem dois filhos: Jan e Fabiano, de 18
e 13 anos
respectivamente, sendo o segundo colaborador de sua mãe e defensor nas dificuldades.
Durante
muito tempo, Vassula foi uma pessoa mundana: manequim na capital de Bangladesh,
pintora rodeada de amigos e admiradores, bem sucedida como campeã de tênis
— coisas que ela agora tem como ultrapassadas.
Por trinta anos (1955-1985) não
freqüentava a igreja, a
não ser em cerimônias de
casamento ou funerais; atualmente, Vassula
quer viver exclusivamente para Cristo, que a chama á sua intimidade.
Na infância, Vassula teve dois sonhos
que muito a impressionaram:
Aos
dez anos de idade sentiu no sono uma chamada de Cristo, que com força
irresistível a atraía a si. No ano seguinte, aos onze anos, viu, em sonho, o
seu matrimônio espiritual
com Jesus. Nossa Senhora a esperava, de braços abertos, e tinha-lhe
preparado o vestido e o toucado para o
casamento; estava presente Maria Madalena. De tal modo ficou impressionada por
este último sonho que dele falou à sua mãe; contudo, a sua vida não se
modificou. Atualmente, os
sonhos de infância já esquecidos tornaram-se realidade
viva, à guisa de promessa realizada.
No
mês de novembro de 1985, em
Bangladesh, deu-se a conversão: o
seu anjo-da-guarda comunicou-lhe mensagens,
que ela escrevia com a própria mão, "movida por força irresistível";
o anjo se identificou como sendo Daniel e moveu a mão de Vassula para fazer um
desenho que o representava. Daniel fez ver à senhora mundana os seus pecados,
que lhe pareciam um nada, e que passaram a ter importância colossal para ela;
começou a repudiá-los. Após três meses de aprendizado com o anjo, Vassula foi
visitada por Jesus, que passou a lhe movera mão, revelando-lhe suas mensagens
por meio de locuções internas. A caligrafia de Vassula, quando escreve sob
ditado, é grande e bem diferente da sua grafia habitual, que é miúda. A
linguagem das revelações é o inglês.
O
demônio tem atacado freqüentemente Vassula, mas Jesus ensinou à vidente os
critérios para o identificar. Ela se sente feliz pelas graças que recebe, pois
lhe é dado ouvir o Divino Mestre e falar-lhe, mas também experimenta fortes
momentos de depressão, dadas as responsabilidades que tais graças acarretam
para ela. Jesus, porém, a sustenta, assim como a reconforta
o anjo Daniel, que assim lhe falou:
"O
teu Jesus ama-te. Sou eu, Daniel. Lembra-te de que o Senhor te deixou
descansar; e agora não desejas, também tu, deixá-lo descansar? Vassula, dá-lhe
alívio e permite-lhe que te oprima com sofrimentos; um grande preço a pagar
pela Paz. Há muitas vidas em jogo" (vol. IV, p. 127).
Pergunta-se agora:
2.
QUAIS AS LINHAS PRINCIPAIS DA MENSAGEM?
Podemos
dizer que três são os pontos capitais das revelações de Jesus:
2.1. Renovação do Fervor dos Cristãos
Os
escritos de Vassula fazem entrever um novo Pentecostes,
como se diz. Mostram a urgência da conversão pessoal.
Jesus terá dito a Vassula:
"Oh!
Era de miséria! Quanto vos afastastes!
Afastastes-vos ao ponto de acreditar ser capazes de
caminhar sem Mim. Afastastes-vos tanto que vos julgais
dignos.
Permitistes
a Satanás que
vos nutrisse com a sua vaidade. Miseráveis para além de toda explicação,
pecadores e cegos, não tenhais um momento de descanso, sede vigilantes, não
adormeçais, porque o tempo está próximo. Crescei no meu Espírito, aproximai-vos
de mim com confiança e abri o vosso coração para receber-me. Muitos de vós
rezais, mas as vossas orações não me atingem. Aprendei a rezar, para que eu vos
possa ouvir. Muitas orações voltam a cair sobre a terra, sem nunca me
atingir" (vol. II, p. 134).'
Vassula
propõe freqüentemente a devoção ao Sagrado Coração de Jesus (vol.
II, p. 215) e ao S. Coração de Maria, a ponto de falar da
"aliança dos dois Corações" (vol. I, pp. 189-198). Insiste, outrossim,
na recitação do
Rosário (vol. II, p. 215; III, p.
11), embora nenhuma dessas devoções seja usual entre os cristãos ortodoxos.
Vassula também recebe a S. Eucaristia
na Igreja Católica — o que é estranho, pois a comunhão eucarística
supõe e requer a comunhão eclesiástica (Vassula não
pertence à Comunhão da Igreja Católica).
Maria
SS. está também muito presente nos escritos de Vassula, que, a este título, têm
vários aspectos comuns com os dizeres dos
videntes de Lourdes, Fátima
e Medjugorje. Maria aparece como aquela que segura o braço de Jesus, a fim de
que não desencadeie a devida punição sobre o mundo (vol. II, p. 127). A vidente
preza muito as aparições da Virgem Maria em Garabandal (Espanha), aparições que
o episcopado espanhol
declarou espúrias (vol. II, pp. 95s. 115):
"Tal
como apareci em Lourdes e
em Fátima, assim apareci também em Garabandal, dando uma mensagem semelhante.
Garabandal é a continuação da mensagem de Fátima. Mas, uma vez mais, Satanás
lançou poeira nos olhos das autoridades da Igreja para as
confundir. Semeou nos corações a má semente, a fim de que negassem as minhas
aparições e assim impedissem que a minha mensagem se tornasse universal"
(vol. II, p. 715).
Vassula
manifesta grande apreensão pela atividade do demônio no mundo, como se percebe
do texto acima. Repele todas as adulterações da doutrina da fé (vol. Ill,
p. 12). Revela a convicção de que o fim dos tempos está
próximo.
2.2. A Unidade dos
Cristãos
Vassula
se interessa profundamente pela reunião dos cristãos (ortodoxos, protestantes e
católicos). Jesus promete estar disposto a realizá-la
sob o primado do Papa:
"A
minha Igreja será una, sob uma só Autoridade. Não pedi Eu mesmo a Pedro que
apascentasse as minhas ovelhas? Não o escolhi eu mesmo para apascentar os meus
cordeiros? Não pronunciei Eu mesmo estas palavras: 'Tu és Pedro e sobre esta
pedra edificarei a
Minha Igreja?' Por que então essa arrogância entre as nações. . .? Escolhi Pedro, um
homem segundo o Meu Coração, a pedra sobre a qual construí a minha Igreja.
Agora por que desviar a minha ordem?" (vol. II, p. 38).
2.3. A Conversão da
Rússia
Vassula
escrevia em 1988, antes da queda do comunismo, prevendo a conversão da Rússia:
"Vassula!
Oh! Vassula! Uma das minhas bem-amadas filhas jaz morta! Uma das tuas irmãs.
— Quem está
morto, Senhor?
—
A Rússia, minha filha bem-amada. Vem! Vem, e
eu te mostrarei. OLHA!"
Continua
Vassula: "Deus conduziu-me, em
espírito, à fronteira de um deserto. Com o indicador e o braço estendido,
mostrou-me sua filha e minha irmã que jazia morta no meio do deserto, sob um
sol ardente, com o corpo definhando peia tirania. Parecia abandonada, mesmo
depois de morta. Estava morta, inteiramente só, sem um vizinho sequer que a
pudesse consolar. A tal visão, desatei a chorar, com lágrimas de verdadeira
compaixão. Chorei amargamento."
Disse
Jesus: "Oh! Não chores! Eu a farei reviver, Vassula, ressuscita-la-ei para
a Minha Glória. Reanimá-la-ei, tal como reanimei Lázaro" (vol. II, p. 92).
Em
nossos dias existe liberdade religiosa na Rússia, embora as leis do país façam
restrições ao Catolicismo e às correntes religiosas diversas da Comunhão
Ortodoxa, chefiada pelo Patriarca de Moscou.
3.
QUE DIZER?
Numerosos
sacerdotes e teólogos crêem na autenticidade da mensagem de Jesus a Vassula. O
católico que a queira aceitar, pode fazê-lo
sem ofender a fé católica. Todavia, não se
podem esquecer certos traços negativos de peso na missão de Vassula:
1)
A pessoa da vidente pode ser muito bem
intencionada e fervorosa. Mas, divorciada e casada de novo na Comunhão
Ortodoxa, leva um tipo de vida que a Igreja Católica não aceita, baseada
estritamente no Evangelho (cf. Mt5,32; 19,2; Mc
10,11s; Lc 16,18;
1 Cor7,10s).
2) Toda
revelação particular há de ser considerada criteriosamente, pois é fácil,
principalmente em nossos dias, alguém imaginar que está sendo inspirado e
impelido por Deus. São numerosos os casos de aparições e revelações na atualidade
— o que obriga o estudioso a não dar pronto
crédito a tais mensagens. Além do mais, a freqüência
e a duração das locuções interiores recebidas
por Vassula (à semelhança do que acontece com o Pe. Gobbi, fundador do
Movimento Sacerdotal Mariano) dá margem à hesitação. Geralmente, as autênticas
mensagens de Deus aos homens são concisas e de duração relativamente breve.
3)
Alguns pontos doutrinários nos escritos de
Vassula também suscitam dúvidas:
—
assim o conceito de Ecumenismo. Vassula.
reconhece, sim, o primado de Pedro, mas relativiza a noção de Igreja, a tal
ponto que conscientemente professa permanecer na Comunhão Ortodoxa, sem que
Jesus a censure por causa disso. São ambíguos os dizeres abaixo, atribuídos a
Jesus:
"Gostaria
de me servir de algumas linhas que Nossa Senhora me ditou. E Jesus diz a mesma
coisa. A chave da União é o Amor e a Humildade. .
. Muitos padres, da parte greco-ortodoxa,
pensam que a União virá quando os católicos
se converterem para se tornarem também eles greco-ortodoxos.
E muitos católicos pensam o inverso. Ora bem;
ambos estão no erro. Foi Jesus quem nos chamou greco-ortodoxos,
católicos romanos ou protestantes? Não. Fomos
nós que criamos tais barreiras. E, entretanto, todos nós falamos em nome de
Jesus" (vol. I, p. 137).
Como
dito, este texto não é claro: uma pessoa mais familiarizada com a doutrina da
fé não falaria desse modo;
—
a recomendação das aparições de
Garabandal, que foram expressamente rejeitadas pela autoridade da Igreja;
—
Jesus terá dito a Vassula: "Não
tenho corpo físico; Eu sou espírito. E, uma vez que sou Espírito, não sinto dor
física". Mas, pouco adiante, haverá afirmado: "O
meu corpo sofre pelo acusado, pela
vítima" (vol. II, pp. 96s). Há aí uma contradição ou, quando menos, uma
imprecisão.
Estas
observações, ponderáveis como são, fundamentam as restrições que vários
teólogos e fiéis católicos opõem à mensagem de Vassula; dificultam a aceitação
da sua genuinidade. Como quer que seja, a questão, por ora, é de livre
discussão e opção; a autoridade da Igreja não se manifestou a respeito, nem
talvez o faça. Toca, pois, a cada cristão ponderar os prós e os contras e tomar
a atitude que mais sábia lhe pareça; procure usar a razão e a fé, subordinando
a estas os sentimentos.