Aos livros de Samuel, que narram a fundação da monarquia hebraica seguem-se Reis,
cuja história continua até
sua queda sob os assaltos dos poderosos impérios da Assíria e da Babilônia,
isto é, desde os últimos dias de Davi {cerca de 970
a.C) até à tomada de
Jerusalém em 587 a.C, uma duração de cerca de quatro séculos. A cisão
política e religiosa, que se seguiu à ascensão ao trono do segundo sucessor de
Davi, cindiu a nação em dois reinos rivais, o de Israel e o de Judá, e findou
com o desaparecimento do primeiro na luta com a Assíria (721
a.C), delimitando este
lapso de tempo em três períodos, com reflexos análogos na composição da obra.
O livro é escrito à base de um esquema simples e
transparente, sobretudo na segunda e maior parte, daquela dos reinos separados.
Seu enredo é formado pelas notícias sobre cada um dos reis, quer de Judá, quer
de Israel, redigido com um cunho uniforme e distribuído em três partes: 1)
Introdução: sincronização
do outro reino com o rei contemporâneo, duração do reinado no momento e para os
reis de Judá também os anos de idade à elevação ao trono e nome da rainha-mãe. 2)
Corpo: qualidades morais
relativamente à religião e ao culto mosaico, e breves referências a algum fato
mais relevante. 3) Epílogo: envio para notícias mais amplas, aos "anais
dos reis" (de Judá ou de Israel, segundo o caso), morte e sepultura.
Nas linhas deste traçado, inserem-se os mais amplos e
minuciosos relatos de coisas concernentes à religião e a atividade dos
profetas, entre os quais avultam
as grandiosas figuras de Elias e Eliseu. O
interesse religioso, sobre o qual se fixa o olhar do autor sagrado,
manifesta-se, inclusive nos poucos acontecimentos políticos narrados com
abundância de pormenores
fora do comum, como as ações de Acab (lRs
cc. 20-22), a ascensão de Jeú ao
trono (2Rs 9,1-7), o cerco e libertação de Jerusalém do exército de Senaquerib (2Rs 18,13-19, 37). Essas notícias mais abundantes formam o fundo do livro, ao
passo que os esquemáticos
perfis dos reis, donde lhe vem o título
usual, constituem-lhe como que a moldura e o enredo. As primeiras, o autor hauriu-as das
histórias dos profetas, transmitidas, por escrito ou de viva voz, pelos
discípulos dos mesmos. Nos segundos, isto é, na mencionada moldura, devemos ver
um trabalho mais pessoal do redator final, baseado por certo em bons
documentos.
O valor histórico do livro dos Reis
é incontestável. Garantido
pela inspiração divina, é confirmado por documentos paralelos da história
profana, cabendo a primazia à assírio-babilônica, que aqui se nos apresenta com
tão grande riqueza, não igualada para nenhum outro livro do Antigo Testamento.
Não nos foi transmitido quem seja o autor de Reis
nem a data da sua
existência; seu nome permanecerá provavelmente para sempre ignorado, ao passo
que a idade pode ser deduzida do próprio livro. Se os últimos quatro vv. (2Rs
25,27-30) não são um apêndice
ou acréscimo posterior, como em si é possível, sem, contudo, parecer provável,
o autor teria terminado a sua obra entre os anos 560
(37- da prisão de Joiaquin) e 538
a.C, que marca o fim do
exílio babilónico, porque não faz nunca alusão ou referência a este grande
acontecimento.
É visível o caráter essencialmente religioso desta história
dos reis. Numerosos ensinamentos de doutrina e vida religiosa estão contidos
especialmente na atividade dos profetas, que ocupam continuamente o centro da
cena, e nas reflexões do autor sagrado sobre o procedimento dos reis e dos
povos, que freqüentemente rematam o quadro. Cumpre não deixar de notar o
impressionante fato de que, enquanto no reino cismático de
Israel houve em apenas dois séculos (c. 930-730 a.C), nada menos de oito mudanças de dinastia, no vizinho e
politicamente mais fraco reino de Judá dominou, por mais de 4 séculos (c.
1010-586 a.C), constante
e invariavelmente a descendência de Davi, embora não faltassem as violências e
os contrastes a partir do exterior (intromissões de Atália, de Necao, de Nabucodonosor). Verificava-se
assim a promessa divina feita a Davi por boca do profeta Natan (2Sam 7), anúncio e penhor do reino do Messias, filho de Davi por
excelência (Lc 1,32), insigne pedra
miliar na preparação da salvação humana.