“Se estes se calarem, clamarão as
pedras!”
Publicado por Jorge Ferraz em 04/12/2008.
Ainda falando sobre o Scott Hahn, a
leitura do “Todos os caminhos vão dar a Roma” (DIEL, 5ª Edição, Lisboa, 2005)
revelou-me uma coisa interessante e completamente inusitada: a primeira
aproximação que o casal Hahn teve da Doutrina Católica foi justamente num dos
temas mais controversos e impopulares mesmo entre os que se dizem católicos: o
controle de natalidade. Quando ainda eram protestantes, os dois renderam-se à
força dos argumentos católicos sobre o assunto! Vale muitíssimo a pena
transcrever – embora longas – as passagens mais relevantes desta narrativa:
Scott:
Perguntei-lhe [a Kimberly, sua esposa] que coisa era essa tão interessante que
tinha descoberto sobre a contracepção. Disse-me que até 1930 a posição de todas
as Igrejas Cristãs em relação a este tema tinha sido unânime: a contracepção
estava mal em qualquer circunstância.
O meu
argumento foi:
- Se
calhar demoraram todo esse tempo a libertarem-se dos últimos vestígios do
catolicismo.
A Kimberly
avançou um pouco mais:
- Mas
sabes que razões eles dão para se oporem ao controlo de natalidade? Têm
argumentos mais sérios do que possas pensar.
Tive que
admitir que não conhecia as suas razões. A Kimberly perguntou-me se estava
disposto a ler um livro sobre o tema e deu-me O controlo da natalidade e a aliança matrimonial, de John Kippley (obra que foi posteriormente
revista e intitulada O sexo e a
aliança matrimonial). Eu era um
especialista em teologia da Aliança e pensava que tinha lido todos os livros em
que a palavra aliança figurava no título; por isso, descobrir um que não
conhecia espicaçou-me a curiosidade.
Vi-o e
pensei: Editorial Litúrgica? Este tipo é um católico! Um papista! O que é que
anda a fazer a plagiar a noção protestante da aliança? Senti ainda mais
curiosidade por ver o que dizia. Sentei-me a ler o livro. Pensei: “Isto não
está certo. Não pode ser… O que este tipo diz faz sentido”. Demonstrava que o
casamento não é um mero contrato, envolvendo apenas um intercâmbio de bens e
serviços. O casamento é sobretudo uma aliança que implica um intercâmbio de
pessoas.
O argumento
de Kippley era que qualquer aliança tem um ato pelo qual se consuma e se
renova; e que o acto sexual dos cônjuges é um ato de aliança. Quando a aliança
matrimonial se renova, Deus utiliza-a para dar nova vida. Renovar a aliança
matrimonial e usar contraceptivos para evitar uma potencial nova vida seria
tanto como receber a Eucaristia para a seguir a cuspir no chão.
Kippley
prosseguia dizendo que o ato conjugal demonstra de modo único o poder doador de
vida do amor na aliança matrimonial. Todas as outras alianças mostram e
transmitem o amor de Deus, mas só na aliança conjugal o amor é tão real e
poderoso que comunica a vida.
Quando
Deus fez o ser humano, homem e mulher, o primeiro mandamento que lhes deu foi o
de serem fecundos e se multiplicarem. Era assim uma imagem de Deus: Pai, Filho
e Espírito Santo, três em um, a família divina. De maneira que quando “os dois
se fazem um” na aliança matrimonial, o “um” torna-se tão real que nove meses
depois podem ter que lhe dar um nome! O filho encarna a unidade da sua aliança.
Comecei a
compreender que sempre que a Kimberly e eu realizávamos o ato conjugal,
realizávamos algo sagrado; e que cada vez que frustrávamos o poder de dar vida
do amor com a contracepção, fazíamos algo profano (tratar algo sagrado de forma
comum profana-o, por definição).
[...]
Foi então
que descobri que todos os reformadores – Lutero, Calvino, Zwinglio, Knox, e
todos os outros – tinham mantido sobre esta questão a mesma posição que a
Igreja Católica. Isso perturbou-me ainda mais. A Igreja Católica era a única
Igreja Cristã em todo o mundo que tinha a valentia e a integridade de ensinar
esta verdade tão impopular.
[...]
Kimberly: O
pequeno grupo [do trabalho do seminário] que teve que se debruçar sobre a
contracepção reuniu-se brevemente no primeiro dia ao fundo da sala. Um
autonomeado líder observou:
- Não
temos que considerar a posição católica, porque só há duas razões pelas quais
os católicos se opõem à contracepção: a primeira é que o Papa não se casa, e
por isso não tem que viver com as consequências; e a segunda é que querem
encher o mundo de católicos.
- São
essas as razões que apresenta a Igreja Católica? – interrompi – Não acredito.
- Então
porque é que não estudas o assunto?
- De
acordo.
E assim
fiz.
Em
primeiro lugar, considerei a natureza de Deus e de que forma nós, como membros
do casal, estávamos chamados a ser Sua imagem. Deus – Pai, Filho e Espírito
Santo – criou o homem e a mulher à Sua imagem, e abençoou-os na aliança
matrimonial com o mandato de crescerem e se multiplicarem, enchendo a terra e
dominando toda a criação para glória de Deus (cf. Gen. 1,
26-28). A imagem à imitação da qual o homem e a mulher foram criados é a
unidade das três Pessoas da Trindade que se entregam totalmente umas às outras
numa plena autodoação de amor. Deus reafirmou este mandato da criação na
Aliança com Noé e sua família, dando-lhes o mesmo mandamento de serem fecundos
e se multiplicarem (cf. Gen. 9, 1 ss). Deste modo a existência do pecado não
alterou o apelo dirigido aos casais para serem imagem de Deus através da
procriação.
São Paulo
esclareceu que, no Novo Testamento, o casamento foi elevado à categoria de
imagem da relação entre Cristo e a Igreja (nesse momento não fazia a menor
ideia que o casamento fosse atualmente um sacramento). E pelo poder de dar vida
próprio do amor, Deus capacitava os esposos para refletirem a imagem de Deus na
medida em que a unidade dos dois se convertia em três. A minha questão era a
seguinte: O nosso uso do controlo da natalidade – que intencionalmente
restringe o poder doador de vida do amor, ao mesmo tempo que se goza a unidade
e o prazer que dá o ato conjugal – permite que o meu marido e eu reflitamos a
imagem de Deus numa total autodoação de amor?
Em segundo
lugar, examinei o que a Escritura diz sobre as crianças. O testemunho da Bíblia
era arrasador! Todos os versículos que se referiam às crianças,
consideravam-nas sempre e só como uma bênção (Sal.
127, 128). Não havia um só provérbio que advertisse que não valia a pena
afrontar as despesas que um filho significa. Não havia qualquer bênção para os
esposos que adiassem o mais possível a chegada dos filhos, nem para o casal que
estivesse o número correto de anos sem filhos antes de assumir o encargo que as
crianças representam, nem para o casal que planeasse cada concepção. Tudo isto
eram ideias que eu tinha aprendido nos meios de comunicação social, na escola
pública ou com a vizinhança, mas não tinham nenhum fundamento na Palavra de
Deus.
Na
Escritura, a fertilidade é apresentada como algo que se deve apreciar e
celebrar, não como uma doença que se deve evitar a todo custo. E embora não
tivesse encontrado nenhum versículo que falasse negativamente das pessoas com
famílias pequenas, à luz de numerosas passagens bíblicas, não havia dúvida de
que as famílias grandes pareciam ter recebido de Deus uma graça maior. Era Deus
que abria e fechava o ventre, e quando Ele dava a vida isso era sempre
considerado como uma bênção. Em última instância, o que Deus desejava dos fiéis
era “uma prole piedosa” (Mal. 2, 15). As crianças eram descritas como “flechas
nas mãos de um guerreiro…, bendito o homem cuja aljava está cheia” [cf. Sl 126,
4-5]. Quem iria à batalha apenas com duas ou três flechas se pudesse ir com a
aljava cheia? A minha questão era a seguinte: o nosso uso do controlo da
natalidade refletia o modo como Deus via as crianças ou o modo como as via o
mundo?
Em
terceiro lugar punha-se a questão do domínio de Jesus Cristo. Como protestantes
evangélicos, o Scott e eu tomávamos muito a sério o domínio de Cristo sobre as
nossas vidas. No aspecto monetário pagávamos o dízimo regularmente, sem nos
importarmos que os nossos fundos fossem escassos, porque queríamos ser bons
administradores do dinheiro que Deus nos tinha confiado. Uma e outra vez vimos
como o Senhor supria às nossas necessidades com mais do que nós Lhe tínhamos
dado. Em termos de tempo, observávamos o Dia do Senhor, pondo de parte o
estudo, que era o nosso trabalho, mesmo que tivéssemos exames à segunda-feira.
Muitas vezes o Senhor nos premiou por esse dia de descanso, e sempre tivemos
excelentes resultados nos exames que fizemos à segunda-feira. Em termos de
talentos, aceitávamos que devíamos estar sempre disponíveis para servir Deus
com o nosso apostolado e acrescentávamos com gosto obras de serviço ao trabalho
abundante do estudo. Ver vidas abençoadas como resultado desse apostolado
fortaleceu enormemente a nossa fé e o nosso casamento.
Mas, e os
nossos corpos? A nossa fertilidade? O domínio do Senhor estendia-se até aí? Li
então em I Cor 6, 19-20: “… não vos pertenceis. Fostes comprados a
grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo”. Talvez fosse uma
atitude mais americana do que religiosa pensar na fertilidade como algo que
podemos controlar como muito bem nos parecer. E eu perguntava-me: o uso que
fazemos do controlo da natalidade, demonstra uma fiel vivência do domínio de
Jesus Cristo?
[...]
No fundo,
sabia bem com que é que estava a lutar: com a autêntica soberania de Deus. Só
Deus conhecia o futuro e qual era o melhor modo de formarmos a nossa família
com a prole piedosa que Ele desejava que tivéssemos. Certamente, Ele já tinha
dado provas de ser digno de confiança de muitos outros modos. Sabia que
podíamos confiar em que nos daria a fé que necessitávamos para lhe confiar este
aspecto da nossa vida, e para nos dar a confiança de que esta visão fazia parte
do Seu plano para nós, e que verteria o Seu amor em nós, e através de nós, em
todas as preciosas almas que nos quisesse confiar. Aliás, conhecia muitos
casais no seminário que “planeavam” a chegada das crianças, para descobrirem
depois que afinal o calendário de Deus era diferente do deles.
[...]
Kippley
fazia a seguinte comparação: tal como acontecia na Roma antiga, em as pessoas
participavam num banquete e depois iam vomitar o alimento que acabavam de
ingerir (para evitar as consequências dos seus atos), o mesmo se passa com os
esposos que celebram um banquete no ato conjugal mas se opõem ao poder de dar
vida que tem o ato de renovação da sua aliança. Esta ações são contrárias à lei
natural e à aliança entre os esposos.
Da
perspectiva de Kippley, que era a perspectiva da Igreja Católica, o fim
primordial do ato matrimonial era a procriação dos filhos. Quando um casal
impede esse fim intencionalmente, atua contra a lei natural. Subverte a
renovação da sua própria aliança matrimonial, convertendo numa mentira o
compromisso dos esposos de se entregarem totalmente um ao outro.
Agora
compreendia por que razão a Igreja Católica se opunha à contracepção. Mas o que
dizer dos métodos de planejamento familiar natural? Não eram simplesmente a
versão católica do controlo da natalidade?
A Primeira Epístola aos Coríntios (7, 4-5) fala de períodos de tempo nos quais os
esposos poderiam abster-se de manter relações sexuais para se dedicarem à
oração, reatando depois as suas relações, não deixando a Satanás nenhum
resquício por onde entrar no seu casamento. Lendo a Humanae Vitae cheguei a apreciar o equilíbrio da Igreja relativamente à
contracepção. Havia uma forma religiosa de se levar a cabo o ato conjugal e de
ser prudente em circunstâncias graves, praticando a abstinência durante
períodos de mútua fertilidade.
Tal como a
comida – em que podia haver temporadas nas quais o jejum fosse útil – de modo
similar podia haver períodos nos quais o “jejum” do ato conjugal, por razões
meditadas na oração, pudesse ser útil. Contudo, a não ser por milagre, ninguém
poderia sobreviver se jejuasse a maior parte do tempo. Igualmente, os métodos
naturais de planejamento familiar eram uma receita para momentos difíceis, não
uma vitamina quotidiana para a saúde geral.
[op. cit.,
pp 43-45. 50-56]
Fica, assim, o testemunho do valor
da Doutrina Católica, cujos argumentos, de tão claros, conseguiram convencer
até mesmo dois protestantes ferrenhamente anti-católicos. Não deixa de ser
profundamente irônico que, enquanto existem católicos rejeitando os
ensinamentos da Moral da Igreja, dois protestantes tenham se preocupado em
defendê-los. Não posso deixar de me lembrar da passagem do Evangelho (Lc
19, 39-40), onde Jesus disse que as pedras falariam se os discípulos
se calassem; não consigo deixar de achar que é algo extremamente eloquente que
Deus tenha suscitado protestantes para defenderem a Doutrina Católica quando os
católicos se envergonham dela.
Fonte: Deus lo
Vult