A
Igreja Católica alterou os Dez Mandamentos?
Dom, 04 de
Março de 2007 - Alessandro Lima
"Mestre, qual
é o maior mandamento da lei? Respondeu Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo
teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o
primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como
a ti mesmo. Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas"
(Mt 22,36-40).
Introdução
Uma das armadilhas utilizada pela Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) para
aliciar católicos menos instruídos é acusar a Igreja Católica de ter alterado
os Dez Mandamentos. Para a IASD, o Decálogo é irrevogável, portanto deve ser
guardado para sempre. Consequentemente, segundo eles, as igrejas protestantes
também erram, pois também não guardam o Decálogo em toda sua inteireza, pois
guardam o Domingo e não o Sábado. E então? Quem está com a razão?
A concepção Adventista da reforma da
Lei por Cristo
A IASD possui uma doutrina orientada ao legalismo do
AT. Embora ela creia no Sacrifício Salvífico de Cristo e na Graça Santificante
do Espírito Santo, a IASD não entende que Cristo veio trazer a Antiga Lei à
perfeição, mas Sua reforma consistiu somente em abolir as observâncias que eles
chamam de cerimoniais.
Estas concepções não são oriundas do final do séc. XIX
quando surgiu a IASD. Nada mais são do que a retomada de uma antiga heresia, o
Montanismo. Já em meados do séc. II Montano, um ex-sacerdote de Apolo e
“converso” ao catolicismo, difundia tal ensino, criando o que os estudiosos
chamam de Montanismo ou Heresia Montanista (1).
Montano foi motivado por uma volta iminente de Cristo
(inclusive com data marcada...), era tido como profeta de Deus e seus escritos
e instruções eram considerados inspirados pelo Espírito Santo. Dos seus
seguidores exigia fé incondicional e obediência. Sua doutrina era de uma moral
muito rígida, além obrigar seus seguidores a várias orientações alimentares.
Será que a semelhança com a sra. Ellen G. White é mera coincidência?
O Decálogo e a sua vigência
O Decálogo (Dez Mandamentos) são os dez princípios
morais e fundamentais de toda Lei que Deus deu a Moisés no Sinai (Ex 34,27-30).
Cristo nos ensinou que "A lei e os profetas duraram até João. Desde então é
anunciado o Reino de Deus, e cada um faz violência para aí entrar"
(Lc 16,16). Isto deixa mais que claro que o legalismo do AT não está mais
vigente para os Cristãos, que vivem um tempo de Graça no Espírito Santo.
Os Adventistas, no entanto, entendem que há uma
distinção entre o Decálogo e as Leis Levíticas (ou Torah). Para eles as últimas
foram abolidas por Cristo, mas os Dez Mandamentos porque estavam dentro da Arca
da Aliança são irrevogáveis.
Interessante notar que os Adventistas para sustentarem
a teoria da eternidade dos Dez Mandamentos, se referem às seguintes palavras do
Senhor: "Não julgueis que vim abolir a
lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição"
(Mt 5,17).
Ora, se para eles a palavra “lei” neste versículo se
refere ao Decálogo, por que então em Lc
16,16 ela só se refere à Torah? Que exegese é esta da qual se servem os
Adventistas?
O fato é que mesmo que adotemos a malabarística
exegese adventista para Mt 5,17, isso ainda nos impede aceitar o caráter
irrevogável dos Dez Mandamentos. Os Adventistas querem propor que os guardemos
como estão nos livros do Êxodo e Levítico. Ora, se Cristo disse que iria
levá-los à perfeição, significa que antes não eram perfeitos. Se não eram perfeitos
então porque deveríamos aguardá-los como lá estão?
E se a perfeição da Lei é a abolição das ordenanças
“cerimoniais”, que não estão no Decálogo, então Jesus não aperfeiçoou em nada
os Dez Mandamentos, apenas aboliu a Torah. E se este for o caso, como então a
palavra “lei” se aplica somente ao Decálogo?
Aí os Adventistas têm que dar um verdadeiro “nó em
pingo d´água” para solucionar as inconsistências de suas proposições.
A reforma da Antiga Lei por Cristo
Para compreendermos a reforma na qual Cristo se
referiu em Mt
5,17, devemos pontuar a unicidade de todas as ordenanças divinas. Para os
antigos Judeus não havia qualquer distinção entre os Dez Mandamentos e a Torah.
É o que testifica um especialista no assunto, o sr. Félix Garcia Lopes:
O Talmude, a propósito de um ponto
em discussão, lembra: 'A lei mandava recitar todos os dias os dez mandamentos.
Por que não os recitam mais, hoje? Por causa das maledicências dos minim [os
dissidentes]; para que estes não possam dizer: 'Estes somente foram dados a
Moisés, no Sinal' (Talmud Jer. Berakot 1 ,3c). Segundo estes minim, Deus só
pronunciou os dez mandamentos (Dt 5,22); as outras leis são atribuídas a
Moisés. A recitação diária do decálogo, na oração comunitária, favorecia
indiretamente esta ideia de que provocava certo desprezo pelas outras leis. A
fim de evitar este mal-estar,o judaísmo ortodoxo - talvez nos círculos de Iabne
[ou Jâmnia], no fim do século 1 d.C. -suprimiu do serviço sinagogal cotidiano a
recitação do decálogo (2).
Isto também pode ser atestado nas próprias palavras de
Jesus ao Jovem Rico (cf. Mt
22,36-40; Mc
10,17-20;) e no Sermão da Montanha (cf. Mt 5-7).
Devemos primeiro entender a motivação da Lei, isto é,
a razão de sua existência. Escrevendo aos Gálatas, comunidade formada principalmente
por cristãos vindos do judaísmo, assim São Paulo se expressa:
"Antes que
viesse a fé, estávamos encerrados sob a vigilância de uma lei, esperando a
revelação da fé. Assim a lei se nos tornou pedagogo encarregado de levar-nos a
Cristo, para sermos justificados pela fé. Mas, depois que veio a fé, já não
dependemos de pedagogo, porque todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus
Cristo" (Gl 3,23-26).
Como podemos ver, São Paulo diz que a Lei de Moisés
tinha como objetivo orientar para Cristo. Isso era possível porque dava
consciência de que homem era pecador, transgressor da Vontade de Deus. Deus
manifestou em Sua Lei aquilo que o homem não conseguia ver em seu próprio
coração (cf. CIC no. 1962).
No entanto, a antiga Lei não comunicava ao homem a
Graça do Espírito Santo necessária para agradar a Deus. Ela apontava para o
pecado, mas não era capaz de justificar o homem. Por isso, São Paulo também
ensinou aos cristãos vindos do judaísmo:
"Mortos pelos
vossos pecados e pela incircuncisão da vossa carne, chamou-vos novamente à vida
em companhia com ele. É ele que nos perdoou todos os pecados, cancelando o
documento escrito contra nós, cujas prescrições nos condenavam. Aboliu-o
definitivamente, ao encravá-lo na cruz" (Cl 2,13-14).
Que documento é este do qual São Paulo fala que
condenava os judeus? Era a própria Lei que acusava a consciência, mas não
comunicava a Graça Santificante.
A doutrina paulina sobre os Dez
Mandamentos
Como já apresentamos, a vigência da Antiga Lei era um
ministério de condenação, enquanto o ministério de Cristo é Graça no Espírito
Santo. Por esta razão, São Paulo escreveu aos Coríntios:
"Ora, se o
ministério da morte, gravado com letras em
pedras, se revestiu de tal glória que os filhos de Israel não podiam
fitar os olhos no rosto de Moisés, por causa do resplendor de sua face (embora
transitório), quanto mais glorioso não será o ministério do Espírito! Se o ministério da condenação já foi glorioso,
muito mais o há de sobrepujar em glória o ministério da justificação! Aliás,
sob esse aspecto e em comparação desta glória eminentemente superior,
empalidece a glória do primeiro ministério. Se o transitório era glorioso, muito mais glorioso é o que
permanece!" (2Cor
3,7-11) (grifos meus).
Nestas palavras do Apóstolo se desfaz a doutrina da
irrevogabilidade do Decálogo. Enquanto os adventistas ensinam que devemos ainda
observar a letra dos Dez Mandamentos (e aí que se fundamenta a doutrina deles
sobre o Sábado), São Paulo diz que é “transitório”. Ora, algo que é transitório
não pode jamais ser permanente. É transitório porque algo virá a sucedê-lo.
Aí os adventistas com a sua “exegese” afirmam que São
Paulo estava se referindo à Lei de Moisés e não aos Dez Mandamentos. Ora, o que
foi “gravado com letras em pedra”?
Foi o Decálogo ou a Lei Mosaica?
A Escritura não deixa dúvidas de que o Apóstolo estava
se referindo aos Dez Mandamentos. Em 2Cor 3,7-11, São Paulo se refere a um
evento registrado no Êxodo:
"Moisés ficou
junto do Senhor quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água.
E o Senhor escreveu nas tábuas o texto da
aliança, as dez palavras. Moisés desceu do monte Sinai, tendo nas
mãos as duas tábuas da lei. Descendo do monte, Moisés não sabia que a pele de seu rosto se tornara brilhante,
durante a sua conversa com o Senhor. E, tendo-o visto Aarão e todos os
israelitas, notaram que a pele de seu rosto
se tornara brilhante e não ousaram aproximar-se dele"
(Ex
34,28-30) (grifos meus).
Como se vê o principal fundamento da doutrina
adventista está alicerçado sobre a falsa doutrina da irrevogabilidade dos Dez
Mandamentos. Querem sustentar sua falsa doutrina ignorando os escritos paulinos
e criando uma imaginária separação entre lei moral e lei cerimonial.
Os Dez Mandamentos no Catecismo da
Igreja Católica (CIC)
A antiga Lei ensinava o princípio do “olho por olho e dente por dente” (cf. Ex
21,24; Lv 24,20; Dt 19,21). Porém, Cristo nos ensina a dar a face àqueles que
nos batem (cf. Mt 5,39). Podemos perceber nisto um indício da perfeição que
Cristo prometeu que daria à Lei.
Um outro exemplo é a exposição do Senhor no Sermão da
Montanha (cf. Mt 5-7), culminando no resumo de toda Lei em duas ordenanças
apenas:
"Mestre, qual
é o maior mandamento da lei? Respondeu Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo
teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o
primeiro mandamento. E o segundo semelhante a este, é: Amarás teu próximo como
a ti mesmo. Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas"
(Mt
22,36-40) (3).
Nos parágrafos 1961 a 1964, o CIC explica a Lei e seu
aperfeiçoamento prometido por Cristo. Depois nos parágrafos 1965 a 1974, o
Catecismo expõe sobre a Nova Lei, a Lei da Graça. É aqui que a Igreja Católica
apresenta uma interpretação dos Dez Mandamentos, não segundo a Antiga Lei, mas
conforme a Nova Lei inaugurada por Cristo, a Lei da Graça. A proposta da Igreja
no CIC era mostrar como aqueles princípios universais expostos na Antiga Lei se
aplicariam na Nova Lei.
Se por isto os Adventistas acusam a Igreja de alterar
os Dez Mandamentos, porque também não acusam a Cristo, se foi Ele que primeiro
o fez?
Conclusão
A acusação adventista à Igreja Católica procede de um
princípio falso: a irrevogabilidade do Decálogo. Falso porque o que é
irrevogável não tem vigência definida (cf. Lc 16,16), não precisa ser levado à
perfeição (cf. Mt 5,17) e nem é transitório (cf. 2Cor 3,7-11).
Os Dez Mandamentos conforme constam no CIC é uma visão
dos seus princípios à Luz da Nova Lei inaugurada por Cristo Nosso Senhor.
Enquanto os Adventistas propõem uma doutrina tendo
como base as tábuas de pedra, que para eles são os únicos mandamentos de Deus,
São Paulo ensina que os verdadeiros cristãos são “uma carta de Cristo, redigida por nosso ministério e escrita, não com
tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em
tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, em vossos corações"
(2 Cor 3,3).
Infelizmente os adventistas estão aprisionados na
letra do Decálogo. Isto me lembra as seguintes palavras de São Paulo:
"Tal é a
convicção que temos em Deus por Cristo. Não que sejamos capazes por nós mesmos
de ter algum pensamento, como de nós mesmos. Nossa capacidade vem de Deus. Ele
é que nos fez aptos para ser ministros da Nova Aliança, não a da letra, e sim a do Espírito. Porque a letra mata, mas o Espírito vivifica”
(2 Cor 3,4-6).
Nós Católicos continuaremos fiéis do Depósito da Fé
que os Santos Apóstolos confiaram à Igreja Católica.
Notas
(1) Para saber
mais sobre a Heresia Montanista recomendo o livro “História das Heresias”, de
Roque Frangiotti. Editora Paulus, São Paulo: 1995. 4a. Edição 2004.
(2) LOPES,
Félix Garcia. O Decálogo. São
Paulo: Paulus, 1995. p. 35.
(3) Note o
leitor que Cristo não diz que o maior mandamento da Lei é a guarda do Sábado,
como pretendem os sabatistas.