PERGUNTE E RESPONDEREMOS 517 – julho 2005
Ciência e consciência:
A
CIÊNCIA É PARA O HOMEM OU CONTRA O HOMEM?
Via internet recebemos o seguinte artigo da Dra. Eliane
Azevedo, médica, PhD em Genética, professora titular de Bioética da
Universidade Estadual de Feira de Santana, professora emérita e ex-Reitora da
Universidade Federal da Bahia.
Ao
longo de sua história biológica a humanidade vem construindo a percepção de si
mesma como uma espécie que se diferenciou das demais por ter sido capaz de
desenvolver consciência moral. Pouco diferimos dos chimpanzés em relação à
quantidade e qualidade de DNA. Não está a nível molecular a grande diferenciação
que nos torna "humanos".
Somos
humanos porque nos tornamos capazes de perceber diferenças entre o bom e o
ruim, o justo e o injusto, o digno e o indigno etc. Somos seres humanos porque
sabemos avaliar quanto nossas ações podem ser benéficas ou maléficas. Somos
seres humanos porque estamos unidos por uma certa eticidade que nos faz
respeitar uns aos outros, ainda que dentro das diversidades ético-culturais de
cada povo, nação, sociedade e até mesmo de individualidades. E, essencialmente,
somos seres humanos porque somos capazes de amar, de buscar a felicidade e de
saber avaliar o significado do sofrimento.
No
Brasil, condenamos cada vez mais a violência das ruas que destrói nossa forma
tradicional de vida nas cidades. Aprendemos que temos o direito de estar vivos.
Clamamos por respeito a este direito e identificamos culpados nas instituições
públicas que não nos protegem nas complexas causas sociais da violência.
Condenamos os maus exemplos de violência nas televisões e fora delas.
Todavia,
poucos conhecem, e pouco se discute sobre a existência de violência em certos setores
da ciência que experimenta em seres humanos. Não me refiro às repudiadas
pesquisas do regime nazista nem às dos japoneses durante a 2a Guerra
Mundial. Refiro-me à ciência moderna em tempo de paz. Refiro-me às denúncias
feitas na década de sessenta nos USA, muitas delas apontadas em artigo no New England Journal of Medicine em
1966. Refiro-me às conclusões do Relatório Belmont nos USA e a consequente criação
de Comitês de Ética em Pesquisa, para proteger pessoas usadas em pesquisa, em vários
países do mundo. Refiro-me a documentos internacionais sobre direitos humanos (Convenção
para Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano em Relação à
Aplicação da Biologia e da Medicina, Conselho da Europa, 1997; Declaração Universal
do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. UNESCO, 1997, entre outros), que, nas últimas
décadas, passaram a identificar cientistas em certos setores da ciência não
como fiéis aliados da humanidade "conscientes de que o mau uso da Biologia
e da Medicina pode levar a atos que causem danos à dignidade humana"...
É
de fundamental valor ético para a espécie humana que o limite da pesquisa em
seres humanos seja a dignidade humana. Sem o reconhecimento deste limite,
certos setores da ciência correm o risco de condenação por não estarem a serviço
das pessoas, mas de interesses outros. O uso de embriões humanos em pesquisa é
um meio sem fins que o justifiquem. As terapias pretendidas com células-tronco humanas
têm nos cordões umbilicais e nos adultos fontes inesgotáveis de pesquisas e de
aplicações em testes terapêuticos. Pacientes não ficarão sem esperanças de
tratamento. A compreensão dos complexos processos genéticos e epigenéticos de
diferenciação celular é urgente e fundamental. As células-tronco do adulto têm
as respostas necessárias para propostas terapêuticas direcionais. Aquilo de que
os pacientes necessitam, é de regeneração celular e/ou tissular específicas.
A
história mundial nos ensina que, nas relações de respeito ao outro, progredimos
ao repudiar o infanticídio aos recém-nascidos de baixo peso; ao condenar a
escravatura dos negros; ao reconhecer a humanidade dos índios; ao defender os
direitos dos portadores de necessidades especiais; e, mais recentemente, ao
regulamentar a defesa das pessoas usadas em pesquisas científicas, entre outras
conquistas éticas.
No
Brasil, começamos a pôr em prática a consciência moral sobre nossas
desigualdades. Começamos a perceber quantas crianças têm seu potencial genético
(genoma) impossibilitado de expressar-se por falta de ingestão proteica (alimentos),
para dar cumprimentos aos comandos biológicos inscritos no DNA. Não podemos
retroceder admitindo experimentações com embriões humanos.
Quanto
mais desenvolvermos a consciência de que devemos nos auto-respeitar como seres
humanos, mais probabilidade teremos de banir a violência da sociedade humana. O
respeito à vida humana deve ser absoluto. Não arbitremos o vir-a-ser do embrião.
A pessoa humana no embrião é uma realidade, não uma probabilidade. Cada um de nós
foi embrião. E se neste momento podemos defender o direito do embrião de não
ser levado às bancadas das experimentações, nem transformado em remédios, é
porque aqueles que conviveram conosco à época permitiram que de embrião de
ontem nos tornássemos adultos, legisladores e/ou cientistas, de hoje.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)