PERGUNTE
E RESPONDEREMOS 517 – julho 2005
Com simplicidade:
CONVERSANDO
SOBRE A CONFISSÃO SACRAMENTAL
Em
síntese: Respondendo a perguntas recebidas via
internet, o presente artigo afirma que os pecados devidamente confessados no sacramento
da Reconciliação estão perdoados após a absolvição dada pelo confessor. Todavia
deixam o principio do pecado muito vivo na alma do penitente, tanto que não é
rara a recaída no mesmo pecado. Daí a necessidade de se praticar a
virtude da penitência para extirpar as raízes do pecado
mesmo após a absolvição sacramental.
Via
internet PR recebeu uma lista de perguntas atinentes ao sacramento da
Reconciliação. Já que muitas delas interessam ao grande público, serão
consideradas nas páginas seguintes.
1. Pecado: que é?
Que
é pecado grave? Que é pecado leve? Que é pecado contra o Espírito Santo?
1.
O pecado é um Não dito a Deus
É
ofensa a Deus não porque faça Deus sofrer, mas porque viola a ordem
estabelecida por Deus. Esta violação fere também o pecador, prejudicando-o
gravemente, porque o priva do maior bem, que é a união com Deus. Por
isto já diziam os filósofos gregos anteriores a Cristo: é melhor sofrer uma
injúria do que cometer uma injúria; tal verdade reaparece em 1Pd 2, 19s.
Em
todo pecado há sempre dois aspectos: a conversão indevida a uma criatura e a
aversão frente a Deus. Geralmente o pecador só deseja explicitamente a
primeira; não tenciona diretamente afastar-se de Deus, embora implicitamente
perceba que o prazer indevido é incompatível com a união a Deus.
2.
Distinguem-se pecado venial ou leve, pecado mortal ou grave e pecado contra o
Espírito Santo.
1)
O pecado contra o Espírito Santo (cf.
Mt 12, 31; Mc 3, 28-30; Lc 12,10) é a recusa explícita do perdão e da graça de
Deus. O Espírito Santo é o Mestre interior que nos atrai para o Pai; quem se
fecha a Ele,coloca-se em situação de auto-condenação, porque se recusa ao
próprio remédio ou ao dom
de Deus. Tal atitude também é chamada "pecado para a morte" (cf. Jo
5, 16).
2) O
pecado mortal ou grave ocorre
quando se preenchem três condições: a) matéria grave, importante; b)
conhecimento de causa; c) vontade deliberada. É dito mortal
porque, conforme a Escritura, leva à morte ou à perda
da vida definitiva (cf. Jo 3, 15; 1Cor 6, 9; Gl 5, 19s).
3) O
pecado venial ([1])
ou leve se dá quando falta um dos três requisitos
acima. Não tira a vida da graça ou a filiação divina, mas contribui para
torná-la anêmica.
Nem
sempre é fácil ao cristão traçar a linha divisória entre pecado grave e pecado
leve, pois a pessoa por vezes não pode definir até que ponto consentiu no
pecado, nem sabe exatamente avaliar a importância da matéria em torno da qual
pecou.
Entre
o pecado venial e o mortal há enorme diferença. O conceito pleno de pecado só
se aplica ao pecado mortal; este é realmente uma
desobediência propriamente dita; o pecado venial, ao contrário, seria uma
desobediência imperfeita; ele pode coexistir com a orientação fundamental do
cristão para Deus. Por isto também se compreende que muitos pecados veniais não
chegam a constituir um pecado mortal; é certo, porém, que provocam um
enfraquecimento da vontade e do amor a Deus, de modo que abrem o caminho para
que a pessoa cometa um pecado mortal.
Para
obter o perdão dos pecados mortais, o meio ordinário é o sacramento da
Penitência. Quanto aos pecados veniais, podem ser apagados por um ato de
contrição ou por uma obra de caridade, mas a Igreja recomenda sejam submetidos
ao sacramento da Reconciliação, pois é muito frutuosa a frequentação deste
sacramento mesmo por parte daqueles que não têm pecados graves (ver Exortação
"Reconciliação e Penitência" n° 31, 1).
2. Absolvição e Penitência
A partir do
momento em que me confesso estou livre dos pecados cometidos e confessados? A
penitência é obrigatória para ser perdoado? Se os meus pecados já foram
perdoados, por que fazer penitência?
Responderemos
por etapas:
1) É
certo que a absolvição sacramental dada a pecados devidamente confessados
perdoa tais pecados. O perdão de Deus é definitivo.
2) Acontece,
porém, que o pecado perdoado deixa raízes na alma do penitente. As tendências
desregradas permanecem, porque o amor que temos a Deus não é capaz de as
extinguir quando nos confessamos e arrependemos, tanto que, mesmo depois de
absolvidos, muitos penitentes recaem nas mesmas faltas (impaciência,
maledicência, omissão...).
3) É
preciso, pois, que o penitente cuide de eliminar as raízes do pecado já
absolvido. Ele o fará mediante a prática da virtude da penitência
espontaneamente assumida. Esta virtude, pouco apregoada em nossos dias, é
indispensável ao cristão de qualquer época, pois ela mortifica as paixões e
purifica os corações, preparando-os para ver Deus face-a-face. Combatendo o
amor ao pecado, ela abre o coração para o amor a Deus.
4) O
padre, antes de dar a absolvição, impõe uma "penitência" ou um
símbolo de penitência (orações, por exemplo), que deve lembrar ao fiel a
obrigação de fazer penitência. A Igreja antiga era muito mais rigorosa; impunha
muitas vezes prolongados jejuns como penitência (que não era nem é castigo, mas
sim remédio). Visto que tal praxe se tornou inexequível para muitos, ela se foi
abrandando até chegar ao que hoje é; a penitência é
simbólica, mas, tem sempre seu valor de alerta para um esforço maior em demanda
de pureza de coração para poder ver Deus, a Beleza Infinita, face-a-face.
5)
Como se pode perceber, a absolvição de um pecador difere da absolvição de um
criminoso. No foro civil, com efeito, quando o juiz humano declara o réu inocente,
o problema é encerrado e o réu volta à vida normal, mas leva consigo as paixões
desregradas (ódio, cobiça, agressividade...) que tinha ao cometer o crime. Ao
contrário, a absolvição do pecador requer total erradicação do princípio do
pecado ou das paixões desordenadas. Caso o cristão não consiga libertar-se destas
na vida presente, ser-lhe-á concedida a graça de o fazer no purgatório póstumo,
estágio em que a alma repudia todo resquício de pecado, habilitando-se a ver
Deus face-a-face.
3. "Não matei, não roubei, não
fiz mal a ninguém.
Por que me
confessar? Quando nos devemos confessar?"
-
"Não matei, não roubei...". É esta a linguagem de quem começa a se
aproximar de Deus. Vê a sua vida "por alto", sem descer a pormenores
importantes. Quanto mais essa pessoa se aproxima de Deus, tanto mais perceberá
quanto difere de Deus e reconhecerá os pecados de cada dia. Embora não escandalizem,
tais faltas causam a dor do arrependimento porque carregado com certa
displicência ou até complacência. Em consequência a pessoa sentirá a
necessidade de pedir perdão a Deus por ter sido impaciente, maledicente,
omissa...
Para
obter o perdão dos pecados graves, requer-se o sacramento da reconciliação. A
propósito convém notar que não se deve receber a S. Eucaristia em estado de
pecado grave; não se diga: "Vou comungar agora em pecado, depois me
confessarei"; São Paulo adverte: "Quem come e bebe indignamente do
pão e do cálice do Senhor, come e bebe a própria condenação" (1Cor 11,
27).
A
quem costuma não cometer pecado mortal recomenda-se a confissão de devoção.
Esta não é estritamente necessária, pois o pecado leve pode ser apagado por um
ato de contrição, mas contribui para fortalecer a vida da graça. Caso possível,
seja a confissão quinzenal; em caso contrário, propõe-se a confissão mensal.
Procurem os Religiosos com zelo especial manter a periodicidade quinzenal. O
descaso para com o pecado venial e as imperfeições produz a anemia espiritual
do cristão. Note-se ainda: o pecado validamente absolvido fica para sempre
absolvido, mas a repetição desse pecado por descuido voluntário pode ser falta
mais grave do que as anteriores, pois implica descaso da graça e da
misericórdia divinas.
4. Divórcio e Confissão
"Por
que muitas pessoas, ao se divorciar, se desligam da religião e não procuram confessar-se?"
Respondemos
dizendo que o fato de alguém estar divorciado(a) sem contrair nova união não
exclui dos sacramentos tal pessoa. O divórcio rompe o vínculo civil, não o
religioso; pode ser desejável para evitar constantes atritos de uma vida a
dois. Uma pessoa divorciada que guarda fidelidade ao vínculo sacramental, é um
testemunho e um exemplo muito significativo, que edifica a comunidade. Tal
pessoa pode confessar-se e comungar... Se, porém, o(a) divorciado(a) passar a
conviver maritalmente com outra pessoa, estará em pecado grave, que só poderá
ser absolvido se se desfizer da união ilegítima.
As
pessoas divorciadas recasadas, embora estejam excluídas da Comunhão
Eucarística, não devem deixar de frequentar a Igreja, assistindo à Missa e
participando de alguma tarefa compatível com o seu estado; quanto aos filhos,
devem ser levados ao Batismo e educados na fé católica. Não percam o ânimo:
Deus vê o fundo do coração de cada indivíduo e vê quanto há aí de sofrimento e
boa vontade e desejo de servir a Deus.
5. Confissão e recaída no pecado
"E
se eu me confessar e recair no mesmo pecado?
Quando
pecamos e nos arrependemos e tentamos cada vez mais estar perto de Deus, temos
chance de ir para o Céu?
-
Quem se confessa, deve prometer ao Senhor Deus fazer tudo para não recair no
pecado. Se, apesar deste esforço, a pessoa recair, mas se arrepender
sinceramente, será validamente absolvida em confissão sacramental.
Se
recair por não se ter esforçado para evitar o pecado, mas se arrepender com
sinceridade, será absolvida validamente. Deus perdoa um sem número de vezes a
quem está sinceramente arrependido. O que importa é a sinceridade na luta
contra o pecado.
Importa
muito também uma santa teimosia na procura da perfeição. Um cair-levantar que
não cede ao desânimo, mas procura com todos os meios chegar à perfeição, já é
uma grande graça de Deus. Diz muito sabiamente S. Ambrósio (+397): "Pecar
é comum a todos os homens, mas acusar o seu pecado é próprio dos Santos".
Por
conseguinte, o Santo não é alguém que nunca pecou, mas é aquele ou aquela que
tem a lealdade e a coragem de acusar o seu pecado. O cristão vive da fé ou do
claro-escuro da caminhada, luta muitas vezes sem ver grandes resultados, mas
não desiste da luta contra o pecado porque sabe que é Deus quem o chama a isso.
Só
não está bem aquele que é morno ou tíbio e, por isso, se furta ao empenho em
demanda da santidade.
"Procurar
a perfeição já é perfeição" (São Bernardo).
6. Confissão Comunitária
"A
confissão comunitária tem o mesmo valor que a confissão individual?"
-
Antes do mais, convém expor o que é propriamente confissão comunitária. É uma cerimônia
em que se efetua comunitariamente a preparação para a confissão individual
auricular. Há leitura bíblica, homilia, orações, cantos, exame de
consciência... Após o quê deve haver a confissão auricular a um sacerdote
presente à cerimônia. Feito isto, todos voltam aos respectivos lugares, onde
rezam, ou cantam as orações finais.
Assim
entendida, a confissão comunitária tem o mesmo valor que a confissão
individual. É mesmo preferível à individual por oferecer mais subsídios para
uma boa preparação do sacramento.
Caso
não haja acusação individual dos pecados, a cerimônia vem a ser mera
paraliturgia penitencial, que pode apagar os pecados leves se celebrada
contritamente. Não é sacramento e, por isto, não apaga o pecado grave.
7. Necessidade
da confissão "Por que é necessária a confissão?"
-A
necessidade da confissão sacramental está fundamentada em Jo 20, 21-23:
Jesus
comunicou o Espírito Santo aos seus apóstolos e disse-lhes: "Àqueles a
quem perdoardes os pecados, serão perdoados. Àqueles a quem não os perdoardes,
não serão perdoados".
Estes
dizeres implicam:
1)
o perdão dos pecados nos vem através de
ministros ou da Igreja. O Cristianismo é essencialmente a religião da
encarnação. Deus se fez homem e serve-se de elementos visíveis para comunicar a
sua graça; assim, a humanidade de Cristo e os ministros ordenados são canais da
graça divina.
2)
É prescrita a confissão dos pecados, sem a
qual o ministro não pode exercer sua função de absolver ou não.
3)
Confessando os pecados, o penitente não
pretende informar a Deus, mas beneficia a si mesmo, "cuspindo as suas
faltas" ou pondo-as para fora. Faz uma
katharsis (purificação) que
não tem efeito meramente psicológico, mas contribui para a restauração ou o
fortalecimento da filiação divina no penitente.
4)
O ministro do sacramento poderá absolver ou não. Pode haver penitentes que,
embora arrependidos, não estejam dispostos a abandonar o pecado, assim um homem
que traiu a sua esposa pode lamentar o fato, mas não ter a coragem para se
libertar do pecado. Neste caso não pode ser absolvido, mas há de ser ajudado a
pôr fim ao seu comportamento pecaminoso. Todo autêntico arrependimento inclui o
propósito de fugir do pecado e das suas ocasiões.
8. Mentir na Confissão
"Se
nos confessamos e mentimos para o padre e ele nos absolver, que acontecerá
conosco?"
-
Quem na acusação de suas faltas profere uma mentira para atenuar a gravidade da
sua falta, comete um sacrilégio ou um novo pecado grave. É melhor que não se
confesse. Quem procura o sacramento da Reconciliação, procura-o não como quem
vai ter a um tribunal meramente humano, mas vai procurara Deus e julgar-se a si
mesmo como Deus o julga a fim de usufruir da misericórdia que lhe é concedida.
Importa, pois, ser sincero e a apresentar-se ao Senhor sem subterfúgios.
9. Quem está muito doente..,
"E
se a pessoa for muito idosa ou muito doente...?"
-
Uma pessoa muito idosa ou doente que não possa ir à igreja para confessar-se,
chame o padre à sua casa. Se não puder falar, escreva. Se nem isto puder,
revele de algum modo estar contrita e o padre a absolverá.
A
propósito muito se recomenda o livro de Frei Raimondo Marchioro: A Confissão
Sacramental. Ed. Mariana Eucarística, Caixa Postal 2198, 75001-970 Anápolis
(GO).
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)