O desafio das seitas ou novos movimentos religiosos: uma abordagem
pastoral
Presidente do Pontifício
Conselho para o diálogo inter-religioso Relatório geral no Consistório
extraordinário de 1991
O desafio das seitas e novos
movimentos religiosos: uma abordagem pastoral é a conferência dada no dia 05 de
abril de 1991, no Vaticano, por ocasião do Consistório Extraordinário realizado
entre os dias 4 a 11. O texto é o difundido pelo Pontifício Conselho para o
Diálogo Inter-religioso; a tradução portuguesa se baseia na versão italiana.
Introdução
– I. Terminologia – 2. Realidade complexa – 3. Seitas – 4. Novos Movimentos
Religiosos – 5. Outros nomes – 6. Qual terminologia deve ser adotada? - II.
Tipologia dos novos movimentos religiosos – 7. Tipos com referência ao
cristianismo – 8. Tipos em relação ao background do sistema de
conhecimento – 9. Há um denominador comum nestes MNR? - III. Origens dos NMR e
as razões para a sua propagação – 10. Existência de necessidades espirituais –
11. Busca de identidade cultural – 12. Preencher um vazio – 13. Procurando
respostas para as questões vitais – 14. Exploração dos pontos fracos da nossa
pastoral – 15. Razões políticas e econômicas – 16. Métodos utilizados pelos NMR
– 17. Ação do Diabo – 18. Um fenômeno de dimensões globais – IV. Problemas e
desafios colocados pelos NMR – 19. Unidade da Igreja – 20. Ecumenismo – 21. A
fé minada ou rejeitada – 22. Abandono da fé – 23. Ateísmo e descrença – 24.
Proselitismo – 25. Agressividade em relação à Igreja Católica – 26. Danos psicológicos
aos indivíduos – 27. Relações com a sociedade – 28. Um fenômeno a ser levado a
sério – V. Resposta pastoral geral – 29. Não uma resposta negativa – 30. Ações
da Cúria Romana – 31. Ações em nível das Igrejas locais – 32. A Federação
Internacional das Universidades Católicas – 33. É possível dialogar com os NMR?
- VI. Resposta pastoral específica – 34. Orientações doutrinais dos Bispos –
35. Catequese adequada e iniciação bíblica – 36. Oração e vida devocional – 37.
Misticismo. Paz. Harmonia – 38. Avaliação devida dos gestos e símbolos – 39.
Vida Comunitária – 40. Promover a participação e a responsabilidade dos leigos
– 41. Discernimento – 42. Importância de um programa diocesano – Conclusão.
Introdução
1. O surgimento e a
propagação de seitas ou novos movimentos religiosos é um fenômeno marcante na
história religiosa de nossos tempos. Grupos neo-religiosos, quase-religiosos e
pseudo-religiosos parecem ter nascidos ou importados da noite para o dia. Eles
operam com considerável vitalidade. Alguns deles são de natureza esotérica.
Outros se originaram a partir de sua própria interpretação da Bíblia. Muitos
têm suas raízes nas religiões da África ou da Ásia, ou combinam elementos de um
modo sincretista dessas religiões com o cristianismo. Alguns Bispos usaram a
palavra “alarmante” para se referir às atividades destas seitas ou movimentos.
E o que é mais alarmante é o fato de que um número crescente de católicos são
atraídos para esses grupos. Além disso, a atitude agressiva adotada por alguns
deles contra a Igreja Católica ou outras Igrejas e Comunidades eclesiais, torna
as relações muito difíceis. Por outro lado, não menos preocupante é a
penetração silenciosa entre os cristãos de movimentos não-cristãos que
incentivam a dupla pertença. Estes movimentos estão ganhando terreno para além
de suas fronteiras por meio da difusão de crenças e práticas que são contrárias
às verdades essenciais da fé.
Os Bispos são frequentemente
bombardeados com pedidos de informações e indicações, ou são convidados a tomar
alguma ação contra este fenômeno preocupante. Mas em muitos casos a falta de
informação adequada pode levar ou a nenhuma ação ou a alguma ação exagerada.
Por isso, gostaria de agradecer ao Santo Padre por trazer este problema
pastoral antes desta augusta assembléia. Para estimular a reflexão e o
planejamento pastoral, gostaria de propor, Veneráveis Padres, uma reflexão
sobre:
I. Terminologia. II.
Tipologia dos novos movimentos religiosos (NMR). III. Origens dos NMR e as
razões para a sua propagação. IV. Problemas colocados pelos NMR. V. Resposta
pastoral geral. VI. Resposta pastoral específica.
1. Terminologia
2. Realidade complexa:
Há a questão de qual
terminologia deve ser usada em referência aos grupos em discussão. A razão é
que a realidade é em si mesma complexa. Os grupos variam muito em crenças,
origens, tamanho, forma de recrutamento, padrões de comportamento e atitude
para com a Igreja ou outros grupos religiosos e da sociedade. Portanto, não é
surpreendente que ainda não haja um único nome para reunir a todos. Seguem
alguns dos termos em uso.
3. Seitas
A palavra “seita” parece
referir-se mais diretamente para um pequeno grupo que se separou de um maior
grupo religioso, geralmente cristão, e que segue crenças ou práticas
desviantes. A palavra é menos precisa quando aplicada a grupos que vêm de uma
interação entre o cristianismo e as religiões orientais, ou africanas, ou
aqueles que são psicoterapêuticos ou gnósticos. A palavra “seita” não é usado
em todos os lugares com o mesmo significado. Na América Latina, por exemplo, há
uma tendência a aplicar o termo a todos os grupos não católicos, mesmo quando
pertencem às Igrejas protestantes tradicionais. Mas, mesmo na América Latina,
em ambientes que são mais sensíveis para o ecumenismo, a palavra “seita” é reservada
para os grupos mais extremistas e agressivos. Na Europa Ocidental, a palavra
tem uma conotação negativa, enquanto que no Japão as novas religiões de origem
xintoísta ou budista são geralmente chamados de seitas, sem nenhum sentido
depreciativo.
4. Novos movimentos
religiosos
O termo “novos movimentos
religiosos” quando se refere a esses grupos é mais neutro do que o nome
“seita”. São chamados de “novos” não só porque apareceram na sua forma atual
após a Segunda Guerra Mundial, mas também porque se apresentam como uma
alternativa para as religiões institucionais oficiais e para a cultura
dominante. Eles são chamados de “religiosos” porque pretendem oferecer uma
visão do mundo religiosa ou sagrada, ou então meios para atingir outros
objetivos, tais como o conhecimento transcendental, a iluminação espiritual, ou
porque oferecem aos seus membros respostas a questões fundamentais, tais como o
sentido da vida ou o seu lugar no universo.
5. Outros nomes
Estes movimentos ou grupos
são também chamados de “novas religiões”, “religiões marginais”, “movimentos
religiosos livres”, “movimentos religiosos alternativos”, “grupos religiosos
‘marginais” ou (especialmente em áreas anglófonas) “cultos”.Tenha-se em mente
que muitos destes grupos não são felizes em receber um nome que indica uma
oposição às igrejas estabelecidas ou a grupos religiosos. Eles, pois,
compreensivelmente se denominam “igrejas”.
6. Qual terminologia deve
ser adotada?
Enquanto não existe uma
terminologia universalmente aceita, temos de tentar adotar um termo que seja o
mais imparcial e preciso possível. Tal termo deve tratar esses movimentos com
respeito e verdade e também deve evitar atribuir a todos eles certos aspectos
negativos que podem ser encontrados em apenas alguns. Não é aceitável aplicar a
palavra “seita” para todos os grupos religiosos que não estão de acordo com uma
Igreja majoritária ou uma família religiosa. Assim sendo, as comunidades
eclesiais protestantes, que foram divididas no século XVI da Igreja Católica
não devem ser chamadas “seitas”. Ainda pode haver desacordo sobre como devemos
chamar alguns grupos neopentecostais e evangélicos fundamentalistas,
especialmente aqueles que adotam posições sectárias.
Nesta apresentação,
portanto, geralmente vamos usar o termo “novos movimentos religiosos”
(abreviado para NMR) porque é neutra e geral o suficiente para incluir os novos
movimentos de origem protestante, as seitas com um fundo cristão, os novos
movimentos orientais e africanos e aqueles de tipo gnóstico ou esotérico.
II. Tipologia dos novos
movimentos religiosos
Em um esforço para entender
melhor os NMR, poderia ser útil classificá-los de acordo com seus diferentes
tipos.
7. Tipos com referência
ao cristianismo
Com referência ao
cristianismo, podem ser distinguidos os novos movimentos religiosos
provenientes da Reforma Protestante, seitas com raízes cristãs, mas com
diferenças doutrinárias consideráveis, os movimentos provenientes
de outras religiões e movimentos derivados de um fundo humanitário, ou
interessados no chamado “potencial humano” (como “Nova Era” e os
grupos religiosos terapêuticos), ou movimentos resultantes de um “potencial
divino”, que se encontram particularmente tradições religiosas orientais (para
uma análise da natureza complexa da New Age e seus perigos, cf. card. G.
Danneels, Le Christ ou le Verseau?, em La Documentation Catholique,
n. 2021, 3-2-91).
São diferentes os NMR que
nasceram por meio do contato entre as religiões e culturas do mundo religioso
primitivo. Especialistas dão como exemplos as igrejas africanas independentes e
os movimentos messiânicos ou proféticos na África. Embora a distinção nem
sempre seja claramente definida, esses movimentos não são tão agressivos para
com a Igreja Católica, assim como são os outros.
8. Tipos com referência
ao “background” do sistema de conhecimento
Com referência ao background
do sistema de conhecimento de fundo que parece explicar um NMR, podemos
distinguir quatro tipos.
Há movimentos baseados nas
Sagradas Escrituras. Portanto, eles são cristãos ou derivam do cristianismo.
Eles formam a maior parte dos movimentos ou seitas que causam uma grande
preocupação pastoral aos pastores da Igreja, especialmente em países
tradicionalmente católicos, como os da América Latina ou Filipinas.
Um segundo grupo de NMR
compreende aqueles derivados de outras religiões como o hinduísmo, o budismo ou
as religiões tradicionais. Alguns deles assumem elementos, de modo sincretista,
do cristianismo.
Um terceiro grupo de seitas
mostram sinais genuínos do colapso da ideia de religião e um retorno ao
paganismo. Não sendo claras suas ideias de Deus, de Criador, eles têm elementos
de magia, superstição, astrologia, espiritismo, feitiçaria, politeísmo e até
mesmo de culto satânico. Mostram sinais de uma cultura que está se tornando, ou
espiritualmente preguiçosa, ou cansada do racionalismo exasperado de
moderna civilização tecnológica.
Um quarto grupo compreende
as seitas que são gnósticas. Em sua reivindicação naturalística, parecem
oferecer às pessoas a chance de se libertar do peso da liberdade e da
responsabilidade, e de embarcar em um caminho que não requer decisões morais,
mas apenas oferece “iluminação”.
9. Há um denominador
comum nestes NMR?
A literatura está cheia de
generalizações acerca dos NMR. É compreensível que haja a tendência a projetar
em todos eles a pequena parte da realidade que uma pessoa observa.
Em um esforço para encontrar
um denominador comum, as seitas foram definidas como «grupos religiosos com uma
visão de mundo distinta que deriva dos ensinamentos de uma grande religião
mundial, mas não se identificam com esses ensinamentos». Esta definição, de
tipo fenomenológica, é apenas parcialmente correta. Ela parece não compreender
os movimentos que derivam de um fundo humanista, paganizante ou gnóstico,
movimentos que alguns sociólogos preferem chamar de «novos movimentos mágicos».
Além disso, essa definição omite qualquer juízo sobre os ensinamentos, sobre o
comportamento moral dos fundadores dos NMR e dos seus seguidores, e sua relação
com a sociedade. A Igreja, contudo, não pode se abster de julgar a questão, uma
vez que deve ajudar os fiéis a apreciar a vida abundante que Cristo lhes
oferece através da Igreja (cf. Jo. 10, 10; 1 Tm. 3, 15), para que isso lhes
permita estimar o valor das ofertas alternativas dos NMR. Do ponto de vista
doutrinal, os NMR que operam em regiões tradicionalmente cristãs podem ser
colocados em quatro categorias de acordo com sua distância da visão
cristã do mundo: aqueles que rejeitam a Igreja, aqueles que rejeitam a Cristo,
aqueles que rejeitam o papel de Deus (e ainda mantém um sentido geral da
religião) e aqueles que rejeitam o papel da religião (e mantém um sentido do
sagrado, mas manipulado pelo homem para poder ganhar poder sobre os outros ou
sobre o cosmos).
As reações sociais contra os
NMR são geralmente baseadas não tanto sobre sua doutrina, bem como a seus
padrões de comportamento e suas relações com a sociedade. Alguns desses
movimentos, particularmente aqueles que têm um fundo oriental ou psicológico,
foram acusados de serem autoritários, de exercerem pressão
injusta sobre os seus membros, de perseguir um proselitismo que esconde os seus
verdadeiros objetivos, de isolar seus membros da vida social e de terem
objetivos que são mais bem econômicos e políticos do que religiosos. Estes são
problemas graves que os pastores da Igreja devem enfrentar. Devem-se recolher
informações. Devem ser feitos inspeções e verificações. No entanto, não se deve
condenar indiscriminadamente ou fazer generalizações, aplicando a todos os NMR
os aspectos mais negativos de alguns. Os NMR não deveriam sequer ser julgados
incapazes de evoluir de uma forma positiva.
Os NMR de origem protestante
provocam diferentes reações por causa de seu proselitismo agressivo que denigre
a Igreja Católica, ou por causa de seus programas de expansão e de seu uso de
meios de comunicação de massa em uma forma que se parece com uma
comercialização de religião.
Apesar da diversidade dos
NMR e das circunstâncias locais, surgem de todos eles um grande problema
pastoral, que é a vulnerabilidade dos fiéis a propostas que são contrárias à
formação que receberam. É triste notar que, em muitos casos, os fiéis receberam
pouca formação nas Sagradas Escrituras e, portanto, são mais vulneráveis
às pressões de grupos fundamentalistas evangélicos. Esta é uma
indicação de uma linha que uma eventual resposta pastoral poderia seguir.
O fenômeno das seitas põe
aos pastores da Igreja diante de sérios problemas a serem discernidos. «Amados,
não creiais a toda inspiração, mas examinai os espíritos para ver se são de
Deus, porque muitos falsos profetas apareceram no mundo» (1 Jo 4, 1).
III. Origens das NMR e
razões para a sua propagação
O que incentiva a ascensão
dos NMR? Por que se espalharam tão rapidamente? Dentre as muitas razões que
podem ser dadas, podemos citar as seguintes.
10. Existência de
necessidades espirituais
Os NMR indicam que existem
necessidades espirituais que não foram identificados, ou que a Igreja e outras
instituições religiosas não tenham percebido ou que não tenham sido capazes de
responder. Essas são um sintoma do estado de crise, especialmente de pessoas
mais vulneráveis, como jovens em busca do absoluto ou de ideais, ou adultos que
estão em crise no que diz respeito à sua religião ou à sociedade.
11. Busca de identidade
cultural
Os NMR podem nascer ou
atrair porque as pessoas estão procurando significados em um período de
mudanças culturais que criam uma sensação de perda. Talvez porque, como em
grande parte do mundo ocidental, as pessoas estão em combate entre a
uniformidade cultural promovida pelos meios de comunicação em massa e a
dispersão dessas demonstrações religiosas ou filosóficas até agora comumente
aceitadas. Talvez porque, como na maioria do chamado Terceiro mundo, a
sociedade tradicional tem sido desmontada e o indivíduo é confuso e alienado do
encontro com o mundo moderno da urbanização e da tecnologia e com as maiores
religiões do mundo.
12. Preencher um vazio
Muitos cristãos se tornam
parte de seitas ou de NMR, porque acreditam que esses movimentos podem ser uma
resposta à sua sede de conhecimento das Escrituras, de cantar, dançar e ter
satisfação emocional e ainda de ter respostas claras e concretas. Os NMR
prometem responder ao intenso desejo da gente de alimento bíblico e espiritual.
O católico de nome que não participar de práticas da Igreja Católica e é mal
alimentado pela Palavra de Deus pode facilmente ser alvo do proselitismo
evangélico das seitas. Deve-se ainda acrescentar que muitas seitas condenam o
mundo como um mal e não acreditam na construção de uma sociedade justa.
13. Procurando respostas
para questões vitais
Há pessoas, por exemplo na
África, que buscam na religião uma resposta e uma proteção contra a bruxaria, o
sofrimento, a doença e a morte. Parece-lhes que os NMR se confrontam
abertamente com estes problemas existenciais e prometem soluções instantâneas,
especialmente a cura psicológica e física. Podemos falar de um estado de
credulidade religiosa, ou mesmo de uma patologia religiosa, ou de uma tentativa
de fuga através da religião dos problemas da vida. Mas não se pode duvidar de
que existam milhões de pessoas, incluindo cristãos, para os quais, por essa
causa, os NMR exercem uma atração.
14. Exploração dos pontos
fracos da nossa pastoral
Existem alguns pontos fracos
no ministério pastoral e na vida das comunidades cristãs que podem ser
exploradas pelos NMR. Onde há poucos e dispersos sacerdotes estes movimentos
suprem com muitos e fortes leader e “evangelizadores” que são formados
em um tempo relativamente curto. Onde os católicos são mais ou menos ignorantes
da doutrina católica, esses apresentam um fundamentalismo bíblico agressivo.
Onde há «pouco entusiasmo e [...] a indiferença dos filhos da Igreja que não
estão à altura da sua missão de evangelização, para o seu fraco testemunho da
vida cristã consistente» (João Paulo II, à Conferência Episcopal Mexicana, 12-
5-1990, em L’Osservatore Romano, 14/15-5-1990, p. 5), as seitas portam
um dinamismo contagioso e um notável esforço. Onde o autêntico ensinamento
católico sobre a salvação somente em nome de Jesus Cristo, sobre a necessidades
da Igreja e sobre a urgência da atividade missionária e da conversão é
obscurecida, as seitas alcançam o sucesso com suas propostas alternativas.
Onde as paróquias são muito
grandes e impessoais, os NMR constituem pequenas comunidades nas quais o
indivíduo se sente conhecido, valorizado, amado e honrado com um papel
significativo. Onde os homens e mulheres leigos, se sentem marginalizados, os
NMR atribuem-lhes funções de liderança. Onde a sagrada liturgia é celebrada de
modo frio e de rotina, os NMR celebram serviços religiosos marcados por uma
forte participação, marcados por gritos de “aleluia” e de “Jesus
é o Senhor”, intercalados com frases bíblicas. Onde há a enculturação,
feita através de uma fase ainda hesitante, os NMR dão uma aparência de grupos
religiosos indígenas, o que lhes faz parecerem pessoas enraizadas localmente.
Onde as homilias têm um caráter intelectual que passa sobre a cabeça das
pessoas, os NMR incentivam a um compromisso pessoal com Jesus Cristo e uma adesão
estreita e literal à Bíblia. Onde a Igreja parece mais presente como uma
instituição marcada por estruturas e pela hierarquia, os NMR enfatizam a
relação pessoal com Deus. Ninguém pode duvidar que os NMR mostrem um dinamismo
imediatamente aparente.
15. Razões políticas e
econômicas
Há alguns países, como na
América Latina, onde algumas seitas se opõem à doutrina social da Igreja,
especialmente pelo que diz respeito à defesa dos pobres e aos esforços por uma
promoção humana integral.
Não devem ser descartadas
razões financeiras entre as válidas para o nascimento de algumas seitas. Em
algumas partes da África e América Latina os fundadores dessas seitas
rapidamente enriqueceram.
É claro que os fundos
contribuem significativamente para a disseminação de movimentos, nascidos nos
Estados Unidos da América e de lá se espalham para outros países, segundo
planos de expansão altamente ambiciosos. Isso é particularmente evidente nos
últimos anos, nos muitos projetos da corrente chamada “New Age”, que
está começando a se revelar um grande negócio econômico e cultural.
16. Métodos utilizados
pelos NMR
Do que foi dito,
evidencia-se que é necessário analisar cuidadosamente os métodos utilizados
pelos NMR. Nem todos os métodos merecem reprovação. O dinamismo de sua atividade
missionária, as responsabilidades evangelizadoras atribuídas ao novo
“convertido”, a utilização de meios de comunicação de massa e o enfatizar os
objetivos a serem alcançados podem fazer-nos perguntar sobre como tornar mais
dinâmica a atividade missionária da Igreja. No entanto, os Pastores da Igreja
devem orientar os cristãos a distinguir entre a maneira de Cristo para
evangelizar e um Evangelho de prosperidade e riqueza, que enfatiza o
sensacional ou até mesmo o irracional e promove a polêmica. Existem métodos
usados por alguns NMR que são contrários ao espírito do
Evangelho, porque não respeitam suficientemente a liberdade de consciência.
Alguns movimentos, por exemplo, empregam meios questionáveis e
totalmente injustos de recrutamento e técnicas de adestramento, procedimentos
de doutrinação, distribuição de dinheiro, separação psicológica dos recrutados
das suas famílias e culto ao líder do movimento. Certamente não é suficiente
condenar estes métodos. Também é necessário preparar os grupos pastorais para
que informem e formem os fiéis e também se deve ajudar aos jovens e às famílias
que estão envolvidos nestas situações trágicas.
17. Ação do Diabo
Não devemos excluir, entre
as explicações do surgimento e da propagação das seitas ou dos NMR, a ação do
diabo, mesmo que esta ação seja desconhecida pelas pessoas envolvidas. O Diabo
é o inimigo que semeia joio no meio do trigo, enquanto as pessoas estão
dormindo. «Um inimigo fez isso» diz o mestre aos seus servos na parábola do
joio (Mt. 13, 28).
18. Um fenômeno de
dimensões globais
A análise breve nos ajuda a
explicar porque os NMR estão se tornando um fenômeno de dimensões globais.
Nos Estados Unidos da
América os NMR aumentaram no último século, especialmente nos últimos 40 anos.
Provêm principalmente do protestantismo, mas também de religiões orientais e da
fusão de elementos religiosos e psicoterapêutico. Dos Estados Unidos da América
foram exportados para a América Latina, África do Sul, Filipinas e Europa. Na
América Latina os NMR são em sua maioria de origem cristã e geralmente são
agressivos e negativos em relação à Igreja Católica e muitas vezes denigrem o
seu apostolado. As mesmas observações podem ser feitas em relação às Filipinas.
Na África, o aumento dos NMR
tem mais a ver com a crise política, cultural e social do pós-colonialismo, com
as questões da enculturação e do desejo de cura e de ajuda para resolver os
problemas da vida. Na Ásia, os NMR de origem local não parecem ser a maior
ameaça nos países onde o cristianismo é uma minoria (por exemplo, Japão),
exceto os importados da Europa e das Américas que atraem as pessoas, incluindo
intelectuais, com suas propostas de relaxamento sincretista e esotérico, de paz
e de iluminação. Deve-se ainda acrescentar que no Japão vem prejudicar a imagem
do cristianismo através das atividades de grupos cristãos agressivos. Isso
ocorre porque a maioria dos não-cristãos do Japão não podem distinguir
facilmente as principais Igrejas dessas seitas marginais. Na Europa, a crise de
uma sociedade altamente tecnológica e secularizada, que sofre com a
fragmentação de uma cultura que não tem mais uma base comum de valores e
crenças, favorece ao crescimento de seitas e NMR que provêm dos Estados Unidos
da América ou do Oriente. O movimento da “Nova Era” é particularmente
ativo.
Deixo a outros a análise
mais detalhada da presença e das atividades dos NMR em todos os continentes e
como estas refletem as fronteiras religiosas e culturais específicos das
regiões onde eles estão.
IV. Problemas e desafios
colocados pelos NMR
As considerações precedentes
nos ajudam a avaliar como os problemas e os desafios colocados pelos NMR não
são poucos em número, nem de pouco peso. Apresentamos alguns.
19. Unidade da Igreja
Os NMR afastam os católicos
da unidade e da comunhão da Igreja. Esta comunhão é baseada na unidade da fé,
esperança e caridade recebida no Batismo. Ela é nutrida pelos sacramentos, pela
Palavra de Deus e pelo serviço cristão. Cristo Redentor e Fundador da Igreja
orou por todos os que creem nele, para que sejam uma só coisa na unidade da
Santíssima Trindade (cf. Jo. 17, 21). As Seitas e os NMR afastam os cristãos
desta comunhão.
20. Ecumenismo
É importante deixar claro a
distinção entre, por um lado, as seitas e os NMR e, por outro, outras Igrejas e
Comunidades eclesiais. A tendência em algumas partes do mundo a usar a palavra
“seita” para todos os grupos não católicos, revela um sério equívoco. A Igreja
Católica está envolvida no diálogo teológico com onze comunidades cristãs. A
base e a justificação desse diálogo é que «aqueles [...] que crêem em Cristo
e foram devidamente batizados estão numa certa comunhão, embora imperfeita, com
a Igreja Católica» (Unitatis Redintegratio 3). A Igreja Católica
reconhece nessas Igrejas e comunidades eclesiais diferentes graus de afinidade
consigo, na medida em que essas compartilham aqueles dons que são constitutivos
da Igreja de Cristo. Essa afinidade fornece a base do senso de pertença e de
envolvimento mútuo que alimenta o movimento ecumênico. Uma das principais
características das seitas é precisamente o exclusivismo e a falta de qualquer
sentimento de pertença a uma realidade compartilhada, o que torna o diálogo
impossível ou pelo menos difícil. A distinção entre as relações ecumênicas da
Igreja e as relações com as seitas deve ainda ser considerada cuidadosamente
neste contexto. Foi reconhecido que as atitudes sectárias podem existir em
qualquer Igreja ou comunidade eclesial, incluindo a Igreja Católica. Em algumas
partes do mundo as atividades de alguns membros de algumas comunidades cristãs,
com o qual a Igreja Católica está em diálogo teológico, são indistinguíveis
daquelas das seitas. Por outro lado, as outras Igrejas e Comunidades eclesiais
muitas vezes sentem mais agudamente a ameaça das seitas do que a mesma Igreja
Católica, especialmente quando seus membros são poucos. Isso é percebido pelo
Santo Padre na recente encíclica Redemptoris Missio: «A expansão
destas seitas constitui uma ameaça para a Igreja Católica e para todas as
comunidades eclesiais com os quais mantém um diálogo. Sempre que possível e de
acordo com as circunstâncias locais, a resposta dos cristãos em si mesma pode
ser um ecumênica» (Redemptoris Missio 50).
21. A fé minada e
rejeitada
Algumas seitas ou NMR minam
a maior parte dos artigos da fé católica ou os rejeitam na prática. Propõem
mais uma comunidade religiosa feita por homens do que uma Igreja instituída
pelo Filho de Deus. Querem que as pessoas fundem suas próprias crenças
religiosas e regras de conduta sobre ideias ou “visões” do fundador do
movimento, mais do que sobre a revelação divina manifestada em Jesus Cristo, o
único Salvador de toda a humanidade (cf. Atos 4, 12). É proposto por algumas
seitas a reencarnação em vez de ensinar sobre os quatro novíssimos e sobre a
ressurreição. A auto-realização é exaltada mais do que a vida da graça e do
conhecimento do único Deus verdadeiro e de Jesus Cristo que foi enviado por ele
(cf. Jo. 17, 3).
22. Abandono da fé
Em casos mais extremos, os
cristãos são levados a abandonar sua fé por causa das atividades dos NMR.
Alguns movimentos promovem um tipo de neopaganismo, colocando no centro do seu
culto o homem, em vez de Deus, e alegando possuir extraordinário conhecimento
que se considera por encima de todas as religiões. Outros NMR estão envolvidas
com o ocultismo, a magia, o espiritismo e até mesmo com rituais satânicos.
23. Ateísmo e descrença
Alguns NMR, especialmente
aqueles que exercem forte pressão sobre as pessoas, podem abrir caminho para o
ateísmo. Para algumas pessoas em crise, o encontro com esses movimentos poderia
ser o último esforço para encontrar a Deus. Se tal recrutamento para uma seita
que termina em um desastre ou ruína psicológica, o resultado poderia ser uma
decepção para com todas as religiões. Tais pessoas podem começar a considerar
todas as religiões como uma farsa. Enquanto que muitos NMR não chegam a tal
ponto, há alguns que tendem perigosamente nessa direção.
24. Proselitismo
Muitos NMR usam métodos que
violam o direito dos outros crentes ou grupos religiosos à liberdade religiosa.
Eles dizem coisas falsas sobre os outros. Motivam as pessoas vulneráveis, como
jovens, pobres e ignorantes com dinheiro ou outros bens materiais, ou com um
pesado bombardeio psicológico, ou outras pressões.
25. Agressividade em
relação à Igreja Católica
Alguns NMR são
particularmente agressivos para com a Igreja Católica. Parecem centrar-se
especialmente em regiões tradicionalmente católicas como a América Latina e as Filipinas.
Eles fazem todos os esforços
para tirar o máximo possível da Igreja Católica. Não parecem mostrar o mesmo
zelo e ardor missionário para com aqueles que ainda não acreditam em Cristo.
Muitas vezes eles interpretam os esforços católicos de se identificar com os
pobres com o comunismo ou a subversão.
26.
Danos psicológicos aos indivíduos
Há
alguns NMR que produziram danos psicológicos sobre as pessoas através de seus
métodos de recrutamento e formação e com medidas violentas que tomam para
evitar a fuga de seus membros. Temos ouvido falar de alguns termos como
«manipulação psicológica», «combinação de afeto e decepção», «controle da
mente», «técnica esmagadora», «métodos de alteração de consciência»,
«programação» etc. Alguns membros tiveram de romper relações com suas famílias
naturais ou ter essas relações seriamente danificadas. Há também a questão do
controle sobre os salários ou das economias dos membros.
27. Relações com a
sociedade
Alguns NMR criaram problemas
à sociedade ou ao Governo, devido à sua posição social, sua incapacidade de
ensinar seus membros a serem cidadãos responsáveis que se
preocupam com o cumprimento de seus deveres para com os outros, e da
desorientação social de seus seguidores . Há também o caso de um líder de seita
que levou seu grupo a cometer suicídio em massa. Este é um caso extremo, mas
que mostra o que pode acontecer.
28. Um fenômeno a ser
levada a sério
Tudo isso mostra que os
problemas e desafios colocados pelos NMR devem ser levados a sério. Há alguns
católicos que pensam e esperam que o fenômeno das seitas desapareçam em poucos
anos e que os cristãos que tinham se unidos a eles retornem à Igreja. Outros
não são tão otimistas. Eles observam que, enquanto uma seita pode terminar,
dois ou três parecem nascer em seu lugar.
No entanto, sejamos
otimistas ou pessimistas, uma coisa deve-se concordar: a Igreja deve ter uma
abordagem e uma resposta pastoral ao fenômeno. Este é o tema da ação.
V. Resposta Pastoral
geral
29. Não uma resposta
negativa
Ao considerar qual posição
pastoral a Igreja deve tomar para com os NMR, começamos dizendo como esta
abordagem pastoral não deve ser. Não deve ser um ataque. Não deve ser negativa
em relação a seus membros, embora a Igreja tem de se defender contra os NMR que
a atacam injustamente.
Deve sim ser baseada na luz
e amor.
Deus «deseja que todos os
homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade» (1 Tm. 2,
4). Cristo veio «para reunir os filhos de Deus que andavam dispersos»
(Jo 11, 52). Ele envia a sua Igreja: «fazei discípulos de todas as nações»
(Mt. 28, 19). A Igreja está consciente de seu papel como um «sinal e
instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano» (LG
1). E «o homem é o caminho da Igreja» (Redemptor Hominis 14).
A Igreja, portanto, vê as
pessoas que pertencem aos NMR não como inimigos a atacar, mas como povo
redimido por Cristo, que agora estão no erro e que a Igreja quer compartilhar a
luz e o amor de Cristo. O fenômeno dos NMR é visto pela Igreja como um sinal dos
tempos. A Igreja está lutando para ver «o que o Espírito diz às Igrejas»
(Apoc. 2, 7) por meio desta situação. Estes movimentos são desafios para a
Igreja. A Igreja, enquanto está ciente de que os NMR investem apenas numa
minoria, não pode deixar de fazer perguntas como: O que leva as pessoas a
participar dos NMR? Quais são os desejos legítimos do povo a quem esses
movimentos prometem uma resposta e para quem a Igreja deve ir ao encontro?
Existem outras causas da ascensão e disseminação desses movimentos? O que Deus
quer que a Igreja faça nesta situação?
Vamos examinar algumas ações
pastorais da Igreja, primeiro desde um ponto de vista geral e em mais detalhes
posteriormente.
30. Ações da Cúria Romana
Como alguns Bispos e muitos
conferências episcopais expressaram à Santa Sé sua preocupação pastoral com
respeito às atividades das seitas ou NMR nas suas dioceses, foi enviado um
questionário às conferências episcopais em 1983 por quatro dicastérios da Cúria
Romana (Pontifícios Conselhos para a Promoção da Unidade dos Cristãos, para o
Diálogo inter-religioso, para o Diálogo com os não crentes e Cultura). As
respostas recebidas das 75 conferências episcopais foram analisados, resumidos
e publicados por estes quatro departamentos em maio de 1986 sob o título o fenômeno
das seitas ou novos movimentos religiosos: desafio pastoral.
O documento procurou
responder a duas perguntas: por que esses movimentos se difundem e atraem os
cristãos? Qual deve ser a resposta pastoral construtiva da Igreja a este
desafio? Foram também mencionadas questões que exigiam mais pesquisas.
O documento foi bem recebido
por católicos e por outros cristãos. Dentro da Igreja Católica, promoveu uma
maior comunicação sobre o assunto entre a diocese, as conferências episcopais e
a Santa Sé. Incentivou cartas pastorais dos Bispos e um maior nível de estudo
para as Igrejas locais. Entre outros cristãos, me recordo que a Federação
Luterana Mundial e o Conselho Mundial de Igrejas organizou uma conferência
sobre os NMR em Amsterdã em 1986, durante a qual o documento do Vaticano foi
discutido e adotada uma abordagem similar. E Bispos católicos e pastores
protestantes da América Latina e do Caribe se reuniram em Cuenca, no Equador,
em novembro de 1986 para um estudo similar. A Comunhão Anglicana adotou uma
plataforma similar. A Santa Sé tem incentivado a Federação Internacional das
Universidades Católicas para lançar um projeto de pesquisa maior sobre os NMR,
e isso está sendo feito. O documento de 1986 é considerado apenas um ponto de
partida. Os quatro dicastérios estão ativamente envolvidos no estudo e na
cooperação permanente sobre o assunto.
31. Ações em nível das
Igrejas locais
Bispos, conferências
episcopais e as Igrejas locais estão se tornando cada vez mais conscientes do
desafio das seitas e estão tomando medidas pastorais. Em nível das dioceses e
de conferências episcopais têm aumentado os centros de estudo e as comissões
sobre os NMR.
Muitas conferências
episcopais tem escrito cartas pastorais sobre o fenômeno. Agentes de pastoral
estão se informando e formando no esforço de analisar esta situação e de
encontrar respostas adequadas.
Associações regionais e
continentais das conferências episcopais também estão envolvidos no que diz
respeito a seitas. Por exemplo, o simpósio das conferências episcopais da
África e de Madagascar (SECAM) pediu a reunião para a colaboração africana (uma
comissão composta por representantes dos superiores gerais de congregações que
trabalham na África e do comitê permanente do SECAM) para estudar a questão da
presença e da influência das seitas e das Igrejas independentes africanas. O
primeiro fruto desta pesquisa foi apresentado aos bispos da África e Madagascar
na reunião do SECAM em julho de 1990, em Lomé, Togo. E está em preparação um
livro para ajudar os jovens africanos a responder ao desafio das seitas
fundamentalistas.
Digno de nota é o Centro de
Estudos sobre Novas Religiões (CESNUR) cujo presidente é o arcebispo de
Foggia-Bovvino. É composto por um Comitê internacional científico e ecumênico,
que cada ano organiza conferências sobre a sociologia da religião. A palestra
foi realizada em Lugano, em abril de l990 sobre os NMR na Europa e estava cheio
de informações.
32. A Federação
Internacional das Universidades Católicas
Como mencionado acima,
quatro dicastérios da Cúria Romana pediram à Federação Internacional das
Universidades Católicas (FIUC) para iniciar a pesquisa sobre seitas ou NMR. O
centro de coordenação das pesquisa da FIUC iniciou o projeto em 1988. O
primeiro diretor do projeto foi o padre Remi Hoeckman, O.P. Agora é o padre
Michael Fuss, um professor na Pontifícia Universidade Gregoriana. Mais de 50
especialistas dos cinco continentes estão trabalhando no projeto complexo, cada
um em sua própria disciplina, sobre os aspectos teológico, sociológico, psicológico
e outros.
Os frutos de seu trabalho
serão discutidos em dois seminários previstos para este ano: um em maio de
1991, na Universidade Creighton, em Omaha, no Nebraska (EUA), por peritos dos
Estados Unidos da América e do Canadá, e o outro em outubro de 1991 em Viena
por peritos europeus, com alguns representantes de outros continentes. A Santa
Sé participará. Outros seminários estão previstos para 1992 em Manila e Bogotá.
Se está organizando um centro de documentação em Roma.
Os resultados das pesquisas
da FIUC, sem dúvida, são muito útil para o trabalho pastoral da Igreja. A
questão dos NMR não permite soluções fáceis ou rápidas. Análises científicas e
abordagens interdisciplinares são elementos necessários para uma resposta
pastoral bem fundamentada e duradoura.
33. É possível dialogar
com os NMR?
Algumas pessoas têm se
perguntado se o diálogo é possível com os NMR. Certamente a natureza e a missão
da Igreja faz o diálogo com todas as pessoas e grupos religiosos ou culturais
parte do estilo do apostolado da Igreja. O Concílio Vaticano II chamou ao
diálogo com outros cristãos e outros crentes.
Os princípios teológicos que
suportam o diálogo ecumênico foram citados no número 20. Com referência aos
seguidores de outras religiões, «a Igreja Católica não rejeita nada do que é
verdadeiro e santo nestas religiões [. . .] Ela, portanto, exorta seus filhos
para que, com prudência e caridade, através do diálogo e da colaboração com os
seguidores de outras religiões, testemunhando a fé e a vida cristã, reconheçam,
preservem e façam progredir os bens espirituais e morais e os valores
socioculturais encontrados nas mesmas» (Nostra Aetate 2). A
dificuldade está em como conduzir o diálogo com os NMR com a devida prudência e
discernimento. O mandato da Igreja de levar a Boa Nova de Cristo a todo ser
humano não deve ser esquecido. A natureza de muitos NMR e a maneira deles
operar fazem que o diálogo com eles se torne particularmente problemático. O
dever dos pastores da Igreja de defender os fiéis católicos dessas associações
errôneas e perigosas é grave.
O diálogo é mais fácil para
os pastores e pessoas teologicamente bem preparadas, mas poderia ser inútil e
prejudicial para aqueles que não estão bem preparados, em comparação com o
forte proselitismo de alguns NMR.
O diálogo não é ingenuidade.
Os Pastores da Igreja não deverão se envergonhar do Evangelho (cf. Rom. I, 16,
2 Tm. 1, 8). A abertura católica para o diálogo não deve ser implementada em
detrimento da unidade da Igreja e da construção da comunidade católica na fé e
no amor.
Não devem ser feitas
indiscriminadamente condenas aos NMR. Os católicos devem estar sempre prontos
para estudar e identificar os fatores ou as tendências que são em si mesmo bons
ou nobres, e onde seja possível colaborar. Eles devem também esperar que o
estudo e a observação dos movimentos que até agora não apresentam um imagem
clara.
Embora muitas seitas ou NMR
não querem diálogo com a Igreja Católica, há alguns que desejam esse diálogo.
Mas também aqui é necessário o discernimento. O desejo de algumas seitas de
estabelecer um diálogo com a Igreja Católica pode estar relacionado ao fato de
quererem obter credibilidade a nível mundial. Isto pode explicar porque alguns
deles organizam caras conferências internacionais, cobrindo as despesas dos
participantes e convidando bispos e teólogos católicos. Também pode ser
que os NMR em alguns países estejam muito ansiosos para estabelecer o contato frequente
com os escritórios da Cúria Romana, mas não com a Igreja local. Será necessário
discrição. A colaboração entre as Igrejas locais e a Santa Sé será útil e mesmo
necessária.
Permanece o problema
daqueles NMR que adotam uma estratégia agressiva em relação à Igreja, às vezes
com apoio externo econômico e político. Sem recusar-se a discutir com esses grupos,
a Igreja deve refletir sobre como se defendem com meios legítimos. São João
Evangelista, São Paulo Apóstolo e os Padres da Igreja se levantaram em defensa
da Igreja contra os erros. Certamente as pessoas que estão no erro deverão
sempre encontrar compreensão e disponibilidade para o diálogo, enquanto que com
o erro em si não há nenhuma possibilidade de compromisso.
VI.
Resposta pastoral específica
A
resposta pastoral da Igreja, de maneira mais específica e detalhada pode
assumir as seguintes formas.
34. Orientações
doutrinais dos Bispos
Muitos NMR atraem aos
católicos em lugares onde a comunidade católica está em situação de
desorientação ou confusão doutrinária. Esta confusão pode ser em parte devido
às dúvidas semeadas por alguns teólogos católicos e outros que questionam
alguns ensinamentos do Magistério, ou por falta de instrução religiosa, ou por
causa dos ataques das seitas. Seja qual for a causa deve-se lembrar de que os
bispos «são os arautos da fé, que trazem levam a Cristo discípulos, são os doutores
autênticos, isto é, dotados da autoridade de Cristo, que pregam ao povo a eles
confiado a fé para crer e colocar em prática na vida» (Lumen Gentium
25). Cada Bispo deve se encarregar pessoalmente e insistir «em cada ocasião,
oportuna e não oportunamente» (2 Tm. 4, 2), mesmo quando corre o risco de
perder a gratidão da maioria confusa ou de provocar ataques de uma minoria
agitada e ativa. O Bispo singular não deve delegar a um comitê ou a um
especialista este ministério, embora a conferência episcopal tenha o seu papel
como um órgão colegial e os teólogos sejam necessários para o desenvolvimento
científico da fé.
O Santo Padre, falando aos
Arcebispos dos Estados Unidos em 8 e 11 de março de 1989, recordava a
importância da missão dos Bispos como autênticos «mestres da fé» e como
«guardiões de algo que foi dado, e dado à Igreja universal» (L’Osservatore
Romano, 12/3/89, p. 4-5).
Ele disse a mesma coisa a
250 Bispos italianos na Sala do Sínodo em 18 de maio de 1989, e acrescentou
que, à luz do desígnio de Cristo na sua Igreja não poderia «legitimamente
reivindicar espaço para formas abertas ou sub-reptícias de um “magistério
paralelo ou alternativo”» (Discurso em Atas da XXXI Assembléia Geral da
Conferência Episcopal Italiana, 1989, p. 13). A Instrução da Congregação
para a Doutrina da Fé de junho de 1990 sobre a vocação eclesial do teólogo
volta sobre o mesmo assunto.
Entre outros artigos da fé
católica, é particularmente importante o ensino sobre a salvação somente em
nome de Jesus Cristo, o Salvador do mundo (cf. Jo. 4, 42) e sobre a necessidade
da Igreja, como meio ordinário de salvação, e sobre a urgência do trabalho
missionário, do anúncio do nome de Jesus Cristo e da conversão. A recente
encíclica Redemptoris Missio do Santo Padre, se estudada de forma
sistemática e cuidadosa em cada diocese e nação será de grande ajuda como
orientação autorizada.
35. Catequese adequada e
iniciação bíblica
A experiência mostra que os
NMR estão tirando vantagem de situações de ignorância religiosa entre os
cristãos. Uma catequese adequada deve, então, servir como uma maneira útil para
armar a comunidade católica contra essas contaminações. Dita iniciação na fé
deve dar especial importância à Bíblia. A sede do povo por conhecer a Palavra
de Deus deve ser saciada. A Bíblia deve se tornar disponível em uma linguagem
compreensível para o povo. A liderança da Tradição da Igreja e a autoridade do
Magistério serão necessários para uma correta interpretação. A Igreja nas
Filipinas, por exemplo, celebrou o ano 1989 como o Ano da Bíblia, ao nível
paroquial, diocesano, regional e nacional. A Federação Bíblica Católica pode
ser de grande ajuda para promover o apostolado bíblico. Os católicos devem
estar bem preparado em sua própria fé de modo a poder ter sempre uma resposta
pronta para quem pedi-los as suas razões da sua esperança (cf. 1 Pd. 3, 15).
Panfletos catequéticos devem ser preparados em cada país, a fim de colocar os
católicos em uma posição de responder aos argumentos invocados pelas seitas em
suas propagandas. Estes folhetos não devem ser polêmicos, ou podem ser
contraproducentes. Entretanto, produzir folhetos não é suficiente. Também se
deve organizar grupos de leigos e de religiosos preparados e encarregados pela
sua distribuição em um nível popular. Essas pessoas devem estar abertas a um
ecumenismo genuíno.
36. Oração e vida
devocional
Alguns NMR atraem as pessoas
porque eles prometem orações e cultos agradáveis. A Igreja, a nível paroquial
deve ser convencida de que as suas tradições litúrgicas e devocionais respondem
adequadamente às necessidades da alma humana, se devidamente entendidas,
praticadas e vividas. As celebrações litúrgicas devem ser dedicados, bem
preparadas, com a participação da comunidade e o máximo possível enculturada. A
oração individual e em grupo pode ser mais aprofundada através de uma formação
bíblica e litúrgica, o exemplo pessoal do sacerdote que reza, e a renovação
carismática, lá onde está devidamente integrada no programa pastoral da Igreja.
37. Misticismo. Paz.
Harmonia
Os NMR prometem ao povo
sabedoria, paz, harmonia e auto-realização. A nossa apresentação do
cristianismo deve ser a de um bom anúncio, da sabedoria divina, da unidade e
harmonia com Deus e com toda a criação, da felicidade terrena, que é preparação
para a bem-aventurança celestial, e daquela paz que o mundo não pode dar (cf.
Jo. 14, 27). A vida cristã é uma vida de união com Deus (cf. Jo. 15, 1-6), a
iniciação nos mistérios de Cristo (cf. Gaudium et Spes 22). A História
da Igreja está cheia de santos que fazem parecer exemplar esta vida de união
com Deus, de acordo com o caráter de cada um. Os santos são exemplos admiráveis
de unidade de fé e de vida, de autoconhecimento e conhecimento de
Deus, de união com Deus e de serviço aos outros, de paz consigo mesmo e paz com
os outros e também com toda a criação. A dimensão da experiência religiosa não
deve ser esquecida em nossa apresentação do cristianismo. Não é suficiente
proporcionar às pessoas informações intelectual. O cristianismo não é nem um
conjunto de doutrinas ou um sistema de ética. É a vida em Cristo, que pode ser
experimentada em níveis cada vez mais profundos.
38. Avaliação devida dos
gestos e símbolos
Muitos NMR colocam mais
ênfase no aspecto emocional e não na especulação. Sem chegar a esse excesso,
será de ajuda em muitas paróquias e lugares de culto o prestar atenção ao
corpo, aos gestos e aos aspectos materiais das celebrações litúrgicas e da
devoção popular. A água, a luz, o fogo, o incenso, o pão, o sal, as procissões,
as estátuas são símbolos que falam à pessoa humana inteira. As culturas que
gostam de cantar, dançar e de celebrações comunitárias alegres podem sentir uma
sensação de secura e de privação quando não foram feitos suficientes esforços
para a enculturação também nas celebrações para-litúrgicas e populares. É
interessante notar que em alguns países africanos as pessoas não são apenas
obtém os medicamentos prescritos dos médicos, mas também lhes levam ao padre
para abençoá-los antes de tomá-los. E as pessoas amam usar escapulários e
medalhas e comer pão e beber a água abençoada pelo padre. Essa abordagem
abrangente do ser humano, juntamente com a apreciação dos símbolos materiais no
culto, deve ser aceito, purificado e enobrecido pelo cristianismo.
39. Comunidades viventes
Os NMR atraem os cristãos
porque lhes oferecem comunidades da vida acolhedoras. Paróquias muito extensas
podem ser em muitos casos um problema, a menos que esforços deliberados sejam
feitos para procurar formas que ajudem cada indivíduo a tomar consciência de
serem amados, apreciados e que lhes dê um papel a desempenhar. As comunidades
eclesiais de base, quando devidamente orientadas e não desviados para causas
políticas ou sociais, podem ser de grande ajuda. A Igreja deve ser vista e
experimentada pessoalmente como uma comunidade de amor e serviço, que celebra e
vive a Sagrada Eucaristia. Uma atenção especial deve ser dada aos grupos
vulneráveis, como os jovens, os que vivem crises familiares ou de outros tipos,
ex-toxicodependentes , os pobres e marginalizados.
40. Promover a
participação e responsabilidade dos leigos
É verdade que a Igreja
precisa urgentemente de sacerdotes que cumpram seu ministério. É verdade que as
seitas ou NMR florescem mais onde a efetiva atividade sacerdotal é muito baixa
ou ausente. Mas também é verdade que a Igreja precisa de uma liderança leiga
mais dinâmica. Um acentuado clericalismo pode marginalizar os fiéis leigos e
deixá-lo ver a Igreja como uma instituição liderada por funcionários
burocráticos ordenados.
Os NMR, por outro lado,
mostram uma grande atividade secular. Na Igreja Católica há uma falta de
doutrina, de documentos, de organizações, de associações, de movimentos e
associações de apostolado e da liderança leiga (ver Christifideles laici
29, 30, 31, Redemptoris Missio 71-74). Talvez o que é necessário é um
apostolado mais participado, maiores oportunidades para os fiéis leigos de
assumirem responsabilidades, uma maior colaboração entre leigos e clero e uma
maior liderança dos leigos para levar o espírito de Cristo na sociedade
terrena.
41.
Discernimento
Os
NMR muitas vezes atraem pessoas que têm fome de algo mais profundo em sua vida
religiosa. O perigo é que eles em curto prazo oferecem algo bom, mas em longo
prazo geram confusão. Então, as pessoas atraídas por eles perdem suas raízes
católicas e, apesar de um crescimento temporário, no final ficam numa situação
espiritual pior do que antes. Esta é uma área importante sobre a qual oferecer
algumas orientações aos pastores e às pessoas. Não se pode negar alguns efeitos
benéficos para aqueles crentes apenas de nome, que estão descobrindo o
Evangelho através de grupos evangélicos. Também não se pode negar a ajuda que
alguns movimentos de origem oriental têm dado aos jovens nas garras do
alcoolismo, das drogas ou do sexo. Mas esta fase inicial de ajuda muitas vezes
não dura muito tempo.
«Portanto, pelos seus
frutos os conhecereis», diz Jesus (Mt. 7,
20). Os frutos do Espírito são claros, diz São Paulo, acrescentando uma lista
verificável: «amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gl. 5: 22). Neste sentido, o
discernimento pode ser descrito como a arte de julgar as raízes dos frutos
duradouros.
42. Importância de um
programa diocesano
Cada diocese ou grupo de
dioceses deve fazer perguntas como as seguintes. Quais são as seitas ou NMR
atualmente presentes no próprio território? Quais são os seus métodos de
operação? Quais são as carências da vida católica na área, de que se aproveitam
os NMR? Quais ajudas práticas recebem os fiéis leigos na espiritualidade e na
oração pessoal? Como ajudar a Igreja nas dioceses e nas paróquias para construir
um verdadeiro apoio para os cristãos que estão em dificuldades material, social
ou de outra forma? Os católicos da diocese vivem o Evangelho também se
engajando no trabalho social?
Que tipo de material as
pessoas da diocese recebem das rádios nacionais ou locais, da imprensa e da
televisão e qual é a resposta pastoral para a comunicação social da Igreja
local? As atividades dos NRM presentes no território mostram a utilidade que o
bispo publique um documento como guia para os fiéis? (Um exemplo é a carta
pastoral para o cartão de Natal de 1990 do cardeal Godfried Danneels sobre os
NMR, especialmente sobre a Nova Era. A carta é intitulada Le Cristo
ou le Verseau?). Quais são os planos e estratégias diocesanas para a
catequese e a liturgia, e também para os contatos com aqueles que deixaram a
Igreja?
Conclusão
43. Confrontada a tarefa dinâmica dos NMR, os Pastores da
Igreja não podem simplesmente continuar como antes, sem uma atenção especial. O
fenômeno das NMR é um desafio e uma oportunidade. A Igreja deve estar confiante
de ter os recursos para estar à altura da situação. Nas palavras do Santo Padre
aos Bispos do México em 12 de maio de 1990, «a presença das chamadas
“seitas” é suficiente para se fazer um exame profundo da vida pastoral da
Igreja local, em busca de respostas e diretrizes sólidas que permitam às
pessoas manter e fortalecer a unidade do Povo de Deus. Diante deste desafio
tendes oportunamente estabelecido algumas opções pastorais [...]. Estas opções
vão além de uma simples resposta ao desafio presente e querem ser também vias
para a nova evangelização, tanto mais urgente uma vez que são caminhos
concretos para aprofundar a fé cristã e a vida cristã de vossas comunidades» (L’Osservatore
Romano, 14/15-5-90, p. 5).
Esta é a abordagem pastoral
a ser adotada para enfrentar o desafio dos NMR. A Igreja não deve ter medo.
A Beatíssima Virgem Maria é
o auxílio dos cristãos. Quando a Igreja na História tem sido ameaçada por
heresias, cismas e perseguições, ela tem se mostrado como uma mãe. A Igreja
deve rezar fervorosamente para uma abordagem pastoral adequada ao fenômeno das
NMR.
05 de abril de 1991
Tradução
ao português:
Pe.
Anderson Alves em 19-09-2011.
Fonte
italiana: http://grisfirenze.altervista.org/Studi/studio08.html