PERGUNTE
E RESPONDEREMOS – julho 1957
Sem
o pecado original, dar-se-ia da mesma forma a reprodução do gênero humano?
Antes do mais, é
preciso frisar bem que pouca ou nenhuma probabilidade tem a tese segundo a qual
a falta de Adão e Eva foi pecado sexual. Esta sentença carece de fundamento no
texto bíblico (cf, Gên 2-3). Os principais argumentos induzidos para defendê-la
seriam :
a) a expressão “do
conhecimento do bem e do mal”, que designa o fruto proibido (cf. Gên 2,17).
Visto que “conhecer sua esposa” em Gên 4,1.17.25 significa “ter relações
conjugais”, julgam alguns que o conhecimento vedado em Gên 2-3 tem o mesmo
sentido.
Como se vê, a
hipótese é gratuita ; porque se teria o autor sagrado expresso tão veladamente
se as relações matrimoniais de fato ocasionaram a catástrofe do gênero humano?
De resto, o consórcio conjugal foi particularmente abençoado por Deus logo após
a criação do primeiro casal (cf. Gên 1,28).
Além disto,
observe-se que a proibição de ter relações matrimoniais seria totalmente
incompreensível a Adão quando o Senhor lhe impôs o preceito paradisíaco, pois
então ainda não fora criada a primeira mulher (cf. Gên 2,17.21-22) ;
b) antes da queda,
Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam (cf. Gên 2,25); depois do pecado,
porém, recobriram-se (cf. 3,7).
O “revestir-se” dos
primeiros pais, após a transgressão, significa certamente que com o pecado se
despertou a concupiscência desregrada ; não se pode esquecer, porém, que este
despertar se seguiu à culpa, não a precedeu. O fato de se seguir à transgressão
explica-se simplesmente pela ruptura da harmonia que o pecado (qualquer que
tenha sido a sua matéria) acarretou entre Deus e o homem e, dentro do próprio
homem, entre as diversas tendências de sua natureza; o corpo humano, tendo
perdido o esplendor da graça que o recobria no estado de inocência, é agora
desregrado, excitante, e pode ser objeto de um olhar desregrado; daí a
necessidade de o revestir artificialmente.
Não se sabe, pois,
com precisão qual o objeto da transgressão de Adão e Eva. É certo, porém, que pecaram
por orgulho, orgulho que os levou a desobedecer a um preceito do Senhor Deus (o
fruto “do conhecimento do bem e do mal” pode ser interpretado em sentido
meramente simbólico).
É preciso agora
acrescentar que a falta cometida pelo primeiro casal não alterou a fisiologia
nem a natureza dos seres vivos ; os carnívoros, por exemplo, não se tornaram
tais por causa do pecado de Adão. Por conseguinte, a reprodução da espécie
humana no estado de inocência se teria dado segundo as leis fisiológicas ainda
hoje vigentes; apenas haveria sido isenta da concupiscência que atualmente a
costuma anteceder e acompanhar; os apetites e movimentos da sensibilidade
estariam perfeitamente subordinados à razão, de sorte que o ato conjugal só se
exerceria nas circunstâncias devidas, sob o pleno domínio do espírito.
Dom
Estêvão Bettencourt (OSB)